quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A carne ovina e o abate clandestino: é possível calcular o tamanho da informalidade?


No Rio Grande do Sul, mais de 60% dos abates de ovinos são fora de controles
Foto Arfio Mazzei
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Paulo de Tarso dos Santos Martins manda, diretamente do Mato Grosso, mais um artigo que encontrou na Farm Point sobre ovinocultura. Trata de um assunto muito importante: o abate clandestino. Foi preparado por André Sorio - Engenheiro-agrônomo, mestre em Agronegócios e consultor em ovinocultura – e Lucas Rasi, Economista e mestre em agronegócios.
“No Brasil, a informalidade na produção de carne ovina está presente em todos os elos da cadeia produtiva - na produção primária, no abate, no processamento da carcaça e no comércio varejista.
No varejo, significa sonegação ao fisco e aquisição de produtos sem inspeção sanitária. Na indústria, ela implica vários agravantes: aquisição de animais doentes, ausência de inspeção sanitária durante o abate, transporte inadequado quanto aos padrões de embalagem e de refrigeração do produto, e, por fim, sonegação ao fisco. Já nas propriedades rurais, a informalidade ocorre na ausência de inspeção sanitária no momento do abate, sonegação ao fisco e falta de comunicação da movimentação de animais aos órgãos de defesa sanitária.
A fiscalização do abate clandestino foi apontada por especialistas, empresários e formadores de opinião como o fator sistêmico mais relevante para a cadeia da ovinocultura em pesquisa nacional realizada por Costa (2007). No entanto, o abate clandestino tornou-se um hábito arraigado, que acaba prejudicando a expansão e a competitividade da cadeia produtiva brasileira.
Segundo Holanda Junior et al (2003), a má qualidade da carne ovina consumida no Brasil é decorrente do baixo nível de higiene nas operações de abate. Além disso, a precariedade da inspeção sanitária estende-se ao local de venda, colocando em risco a saúde da população.
Silva (2002), afirma que o abate clandestino é um fator limitante à melhoria das relações contratuais entre a indústria e o varejo, já que ainda não resulta em marcas consolidadas nem em garantia sanitária ao consumidor. A principal consequência desse fato é uma pressão baixista dos preços e uma redução na margem de lucro dos frigoríficos.
Este artigo tem o objetivo de trazer informações a respeito da dimensão da informalidade nos abates de ovinos do Brasil, comparando os dados do Serviço de Inspeção Sanitária Federal (SIF) com outras informações oficiais disponíveis.

Dimensão do abate clandestino

É preciso registrar que, em algumas regiões do País, o abate clandestino está diretamente ligado ao roubo de animais nas propriedades, principalmente no Rio Grande do Sul. Silveira (2005) estima que 60% do abate de ovinos do Rio Grande do Sul ocorre de forma ilegal. Sorio et al. (2008b) chegaram à conclusão de que cerca de 70% do rebanho de Mato Grosso do Sul é abatido e comercializado sem inspeção sanitária. No Distrito Federal, Araújo e Medeiros (2003) estimam que 90% dos abatedouros de ovinos não são legalizados.
Em pesquisa com ovinocultores do Estado de São Paulo, Souza et al. (2008) encontraram 55% dos produtores realizando abate clandestino como forma de escoamento da produção. Carvalho e Souza (2007) afirmam que 100% do abate da cidade de Garanhuns (PE) é clandestino e que as autoridades de vigilância do município atuantes no varejo não se preocupam com a procedência dos animais. Em Minas Gerais, 46% dos produtores abatem ovinos nas propriedades, sem inspeção sanitária, conforme Sebrae (2004).
Em Campo Grande (MS), Sorio et al. (2008b) encontraram 22,2% dos estabelecimentos varejistas da área central da cidade vendendo carne ovina oriunda do abate clandestino. Os cortes são vendidos cerca de 14% mais baratos do que nos locais onde a carne provém de locais com inspeção sanitária no abate.
Silveira (2005) afirma que um dos maiores gargalos que atravancam o desenvolvimento da cadeia produtiva da ovinocultura de corte é a falta de fiscalização nos locais de abate. O grande número de abates clandestinos realizados e a consequente venda de carcaças de modo informal diminuem a competitividade da cadeia.
O sacrifício de fêmeas chega a 58% do total abatido em alguns frigorífico inspecionados, segundo Sorio et al. (2008a). Afirmam os autores que parece ser o abate clandestino de cordeiros a principal causa disso, pois os produtores vendem os melhores animais diretamente ao consumidor e entregam ao frigorífico os animais geralmente rejeitados pelo comércio. Para comparação, segundo Bianchi (2007), no Uruguai, o abate de fêmeas em frigoríficos mal alcança 17%.
Apesar de algumas diminuições, o abate inspecionado de ovinos no Brasil vem apresentando tendência de aumento nos últimos anos. O abate com inspeção federal passou de 79 mil cabeças em 2003 para 320 mil cabeças em 2010. O Rio Grande do Sul representa mais de 80% deste total. Os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, apesar de seu pequeno rebanho relativo, são os outros locais onde existe maior abate inspecionado.
Chama a atenção o fato de o Nordeste do Brasil apresentar baixíssima participação no abate com inspeção federal. A Bahia - 2º maior rebanho do país, por exemplo, depois de anos avançando na oficialização do abate, desde 2009 vem apresentando resultados cada vez menores.
O abate com inspeção federal alcançou em 2009 algo em torno de 4,8 mil toneladas anuais. Mas informações divulgadas pela FAO (2011) e pelo IBGE (2011a) mostram que, no período de 1990 a 2009, a produção de carne ovina brasileira oscilou em torno de 80 mil toneladas, apesar de o rebanho brasileiro ter diminuído 40% neste período, em virtude da redução do efetivo no Rio Grande do Sul, que, ainda assim, continua ostentando o maior rebanho nacional.
Ao mesmo tempo, dados do censo agropecuário de 2006 (IBGE, 2011b), registraram 3,42 milhões de ovinos abatidos, entre os destinados ao consumo nas propriedades e à venda. A Tabela 2 especifica o abate declarado em cada estado.
Sendo assim, apesar do avanço nos últimos anos, o abate com inspeção federal em 2006 foi de somente 6,7% do total declarado pelos produtores, com maior significância nos rebanhos de Goiás, do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso do Sul, como pode ser visto na Tabela 2.
Não existem dados consolidados a respeito de abate de ovinos com inspeção estadual e municipal, já que os órgãos responsáveis por essas informações nos estados não costumam divulgá-las, apesar da exigência de emissão de Guia de Trânsito de Animais (GTA), determinada por legislação nacional, desde 2004. A cadeia produtiva da ovinocultura não pode contar, pois, com dados estaduais oficiais confiáveis sobre a atividade, o que acaba por favorecer o abate clandestino.
Para deixar bem claro, nos Estados que mais recorrem à inspeção federal, os órgãos públicos responsáveis pela emissão de GTAs e pela fiscalização do abate clandestino são os seguintes: no Rio Grande do Sul, a Divisão de Fiscalização e Defesa Sanitária Animal (DFDSA); na Bahia, a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab); em Mato Grosso do Sul, a Agência Estadual de Defesa Animal e Vegetal (Iagro); em São Paulo, a Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo (CDA); e em Goiás, a Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa). Em nenhum desses órgãos é possível conseguir informações a respeito de emissão de GTAs e de abate de ovinos, o que demonstra o desinteresse oficial, generalizado, pelo tema, mesmo nos Estados onde a ovinocultura tem maior peso econômico, como o Rio Grande do Sul e a Bahia.
De qualquer forma, a quantidade de abate com inspeção estadual e municipal não deve superar o abate com inspeção federal. Sendo assim, pode-se afirmar que a informalidade atinge cerca de 90% do mercado nacional de carne ovina, contribuindo para que os índices de capacidade ociosa das empresas legalizadas se mantenham elevados e para a manutenção da baixa arrecadação do setor.

Considerações finais

Um costume, já bastante arraigado nas cidades brasileiras, é o consumo de carne oriunda do abate clandestino. O hábito de presentear amigos com carne ovina da fazenda e de consumir esse tipo de carne em eventos festivos, o domínio da técnica de abate pelas populações rurais e a crença, entre os consumidores, de que a carne vinda diretamente do produtor é de melhor qualidade, têm favorecido o mercado informal e afetado a competitividade da cadeia produtiva da carne ovina no Brasil.
Mas é bom lembrar que o abate clandestino é, muitas vezes, a única forma que os produtores têm para garantir o escoamento da produção e o abastecimento das cidades. No entanto, para dar o salto de competitividade que irá permitir que a carne ovina se torne efetivamente parte da dieta da população brasileira é fundamental que sejam encontradas formas de diminuir a informalidade no abate, alavancando o surgimento e/ou a manutenção de indústrias frigoríficas em todo o País.
Sem a legalização do abate e o consequente recolhimento de impostos, o setor nunca conseguirá demonstrar sua importância para a economia nacional, ficando sempre à margem do planejamento de políticas públicas e dos benefícios de verbas oficiais de fomento.

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