quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Casa das Bolachinhas, a anticonfeitaria onde o vinho tem espaço

                                 Biba Retamozo, jornalista e cozinheira
                                 Foto Bruno Alencastro

Um dos mais recentes encontros da Confraria do Bom Vin foi na Casa das Bolachinhas, espaço criado pela jornalista e chefe de cozinha Biba Retamozzo, em Porto Alegre. Marcos Graciani, presidente da Confraria, manda-me o texto sobre o encontro e a nova casa.
”No bairro Auxiliadora, zona nobre de Porto Alegre, se encontra um sobrado da década de 50 onde o objetivo da anfitriã é semear o conceito de "anticonfeitaria". É usando esse termo que a jornalista, cozinheira, padeira e confeiteira Biba Retamozo , 34 anos, quer fazer da Casa das Bolachinhas uma referência em gastronomia na região Sul. Aberto em soft opening, o estabelecimento já realiza pequenos eventos até 25 de setembro, data prevista para a abertura oficial da casa. Isso mesmo: a confeitaria é uma extensão da residência de Biba e do sommelier Rafael Lorenzato.
A ideia, com a abertura do local, é consolidar o espaço que a Maria Bolachinha conquistou nos últimos anos, tanto físico quanto no imaginário do consumidor. "Essa cozinha nova é um ganho muito significativo para a empresa, que é pequena, construída unicamente da nossa vontade de servir comida boa e doces de qualidade para as pessoas, e com uma imensa união de esforços de amigos que nos presentearam com trabalho, uma logomarca linda, louça, presentinhos, itens decorativos, utensílios de cozinha, etc. Aqui é a minha casa, com sofás da família, cristaleiras da minha mãe, louça herdada das avós. Tudo muito verdadeiro e organizado com carinho", conta Biba. Vem daí o conceito de "anticonfeitaria".
"Aqui meus clientes e amigos são sempre bem-vindos e podem experimentar doces novos, degustar espumantes, tomar um chazinho da tarde, confraternizar. E para eventos harmonizados, sim, por que não? É um espaço de trabalho, trata-se de uma cozinha profissional preparada para atender à demanda de serviço e eventos que realizamos. É essa cozinha que me refiro quando digo que estou consolidando o espaço que conquistamos no imaginário da clientela, produzindo cada vez mais, e com mais qualidade. Mas é também um espaço confortável para comer os docinhos da Maria Bolachinha, que é como tudo começou, o objetivo de toda essa brincadeira", relata.
Mesmo sem abrir oficialmente, a Casa das Bolachinhas já realiza ao menos dois cursos por mês – um de doces lecionado por Biba e outro com um chefe ou nutricionista convidado. O objetivo é compartilhar receitas e experiências com quem gosta de comer, cozinhar, conversar e saber mais sobre comida saudável e slow food [movimento que prega o direito ao prazer da alimentação, utilizando produtos artesanais de qualidade especial, produzidos de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto as pessoas responsáveis pela produção]. Biba costuma dizer no início de toda aula que o local não é uma escola, mas se aprende bastante. "Tem sido bem bacana. Já tivemos cursos de brownies, ecogastronomia com o Brunno Ardissone, que é produtor de orgânicos. Também ofereço um de culinária leve e há vários planejados ainda para este semestre", antecipa Biba. A média de investimento nos cursos é de R$150 a R$200, valor que cobre custos, pois a Casa das Bolachinhas não tem a pretensão de ser uma academia de gastronomia, mas sim se tornar um local de convivência. 
Apaixonada por troca de experiências gastronômicas, Biba já contabiliza alunos de várias cidades do estado. Ela já ministrou oficinas no interior gaúcho e também recebeu pessoas que se deslocam até Porto Alegre para assistir às aulas. A cozinheira já participou, inclusive, da semana de Gastronomia da Univel, em Cascavel, no Paraná, como professora convidada. "Aceitaria sem pestanejar me deslocar para lecionar – e sempre recebo muito bem quem vem de fora para cozinhar conosco", diz. "Comida é vida, é cultura, tudo o que eu sei de cozinha aprendi com pessoas que estavam dispostas a revelar seus segredos e lembranças. Isso não tem preço, e foi o que construiu meu gosto por ensinar", revela.
O gosto por cozinhar, aliás, teve início aos oito anos, quando Biba aprendeu a fazer massa com molho de tomate, seu primeiro prato. "Cozinhava nas férias para a família, ganhando mesada extra do pai, e adorava. Sempre curti cozinhar e o que a comida trazia de bom, os almoços de família (a minha é enorme), as reuniões de amigos ao redor da mesa. Mas era um hobby, passei anos experimentando e perseguindo receitas", recorda. Depois de quase cinco anos como editora no portal clicRBS, decidiu estudar profundamente gastronomia. Fez cursos de Cozinha, Padaria e Confeitaria no SENAC e, ao final deles, resolveu mudar de ramo. "A mudança foi muito intuitiva e deliciosa. Troquei em um piscar de olhos e hoje toda minha formação como jornalista, tenho certeza, me faz uma profissional mais completa. Eu não voltaria atrás nem por um segundo", afirma Biba, que se autointitula uma "cozinheira jornalística".
Mas não é apenas guloseimas que Biba venera. Ela também tem paixão por vinho, a bebida que experimenta despretensiosamente enquanto conversa ou janta. "O vinho representa descontração, constrói momentos confortáveis quando acompanhado da boa gastronomia. Hoje o meu trabalho me dá acesso a diversos rótulos e, com isso, o estudo é inevitável. Mas sem enochatices, é claro", garante. "Sempre podemos degustar um prato bem executado com um suco de butiá, mas vinho combina melhor, na minha opinião. Doçura, acidez, amargor e os outros elementos da bebida, quando bem escolhida, favorecem a experiência da uma boa refeição", conclui. 
Na opinião de Biba, o doce perfeito para combinar com um espumante nacional seria aquele feito com ovos – especialmente papo de anjo, mas há outra harmonização. "Um bom moscatel brasileiro, que é uma bebida ímpar e pouco valorizada, combina de forma excelente com uma crostata de figo, pois mescla as nuances das frutas secas e cristalizadas que tanto o prato como o espumante possuem", argumenta. O rótulo Moscatel Santa Colina (R$ 22) é uma de suas sugestões.
Chocolates também podem assentar perfeitamente com vinhos. "Um chocolate produzido a partir de uma amêndoa de cacau adocicada, com nível interessante de acidez, pode combinar com um vinho branco mais estruturado, com boa passagem por carvalho, e que ressalte um sabor abaunilhado. Mas o ideal é um vinho de colheita tardia, pois traz a doçura do chocolate com a da fruta, sem ressaltar a acidez, que é muito pungente dependendo da origem da amêndoa de cacau", diz, indicando o L.A. Licoroso de Moscato Giallo (R$ 88), da vinícola Luiz Argenta, como acompanhamento ideal.  "Já uma torta como a sucrée de frutas vermelhas iria bem com um tinto leve feito de tempranillo no qual a expressão do varietal se destaca", aconselha Biba. O espanhol Embocadero Tempranillo (R$ 69) é o vinho que melhor harmonizaria com esse prato.
Para acompanhar o Alfajor de Doce de Leite Artesanal, a confeiteira sugere o rótulo Cossart Gordon Bual m. Rich (R$ 81). O Warre's Porto Otima 10 Year Old Tawny (R$ 182) seria o par ideal para o Brownie de chocolate 70% com castanhas do Pará. Esses doces são os mais vendidos da Maria Bolachinha. O microalfajor e o microbrownie (tamanho de docinho para festa, com 20 gramas, R$ 250 o cento), mas que podem ser comprados em quantidades menores (na versão mini, 50 gramas, R$ 5 a unidade) . As tortas Brownie ou de Alfajor, em três tamanhos (porção romântica, R$ 95; 8 a 12 fatias, R$ 120; e 25 fatias, R$ 210), também fazem parte do cardápio casa. O portfólio completo da "deliciaria exclusiva", onde todos os pedidos são pensados de forma personalizada, está no site do estabelecimento ( http://www.mariabolachinha.com.br/#!cardpio/cl0d).
Mas salgados também tem vez na cozinha de Biba. A Burreka de cogumelos (salgado para coquetel feito com massa filo e recheio de mix de cogumelos orgânicos com ervas aromáticas, R$ 84,00 cada 20 unidades) casa muito bem  com o Montes Alpha Syrah (R$ 121). Se a opção for o Risoni vegetariano (miniporção com massa em formato de arroz levemente aquecida, de característica agridoce, com frutas secas, oleaginosas e azeite de manjericão), o Don Giovanni Stravaganzza (R$ 55) dará conta do recado. O Risotto de frango ao curry (prato principal com risoto de peito de frango temperado com especiarias e curry, cozido com caldo aromático de legumes e capim-limão) pode ser servido com um autêntico exemplar alemão: o Franz Künstler Riesling Kabinett Trocken (R$ 157), um vinho de entrada produzido na região de Rheingau.
Experiente na arte de produzir doces, Biba é uma crítica do chocolate moderno que é produzido de forma a enganar o paladar do consumidor. “Ele costuma ter aditivos químicos, gordura hidrogenada, elementos que compensam o cacau de má qualidade na boca”, desabafa. Biba trabalha com o que considera o melhor custo-benefício: produtos de qualidade, valorizando o cacau brasileiro. “Hoje, só utilizo o Barry Callebaut feito a partir de cacau brasileiro que tem 66,8% de cacau. Utilizo também o Melken Unique Orgânico, outra marca nacional. E compro, regularmente, chocolate e amêndoas de cacau direto de produtores da Bahia. Acho que trabalhando com o que tem de melhor em nosso mercado e valorizando o trabalho dos nossos produtores, faço minha parte. Mas ainda falta muito”, admite.
No entanto, Biba gostaria de estar usando o chocolate brasileiro orgânico que tem a amêndoa produzida de forma mais sustentável. “Aquela que vem do produtor que sabe que aumentar o cacau no chocolate é um passo a ser seguido. Que acha que ele não deve extinguir os biomas Mata Atlântica e da Amazônia para oferecer seu produto. E é incrível, pois um chocolate com mais amêndoas de cacau é mais saboroso. Tem menos gordura hidrogenada e mais manteiga de cacau. É, logo, mais saudável. E, se produzido dentro desse modelo sustentável, é mais justo e agride menos a natureza. Tem tudo de bom – menos o preço”, considera.
A doceira alerta para o fato de não existir boa regulamentação ou mesmo fiscalização eficiente das indústrias no país. A legislação brasileira permite níveis de açúcar e gordura desnecessários na produção da barra de chocolate. Legalmente, pode ser chamado de chocolate o produto que tiver pelo menos 25% de cacau em sua formulação (antes era 32%). “Isso significa que existem barras de chocolate no mercado cuja composição é de 50% de açúcar ou mais. É como comer meio quilo de açúcar refinado.  E se ninguém controla, as multinacionais fazem o que é melhor para elas: mascaram o gosto do cacau de má qualidade com baunilha química. Compensam a massa com a gordura hidrogenada e por aí vai, pois a legislação permite e o paladar do consumidor quer apenas um docinho por um preço acessível", lamenta.

Hoje, o quilo de chocolate belga importado custa, em média, R$ 30. Já o bom chocolate brasileiro não é comercializado por menos de R$ 80. “Há algo errado nessa balança, afinal, nosso cacau tem qualidade e vai para o exterior como produto de luxo. Lá, é transformado em chocolate gourmet e depois volta para o Brasil mais barato do que o chocolate que nossos produtores conseguem fazer. Como?”, questiona.

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