quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Antes de enófilo, um ser social

Uma crônica de 2004 do Olyr Corrêa que ele acha por bem republicar. Aliás, ele está preparando um livro com suas principais crônicas sobre vinhos.

23/02/2004

Do artigo “As peculiaridades do mercado brasileiro” de Marcelo Copello na Revista de Vinhos, edição de janeiro de 2004: “O enófilo brasileiro está a se educar avidamente através de cursos para iniciantes e literatura. A bebida de Baco tornou-se símbolo de sofisticação e ocupa um espaço cada vez maior na mídia. O que falta para uma explosão de consumo é INFORMAÇÃO, HÁBITO e, sobretudo, BOLSO. Neste contexto, cresce a influência da imprensa especializada, que educa e indica as boas compras.”
Esta é a limitação do amante e da maior parte dos escritores de vinhos da atualidade: a falta de uma visão mais geral e abrangente da vida e das sociedades. Limitam-se a estudar e a concentrar-se apenas na sua paixão, esquecendo-se de que antes de ser um enófilo é um ser social. E quando precisam relacionar o objeto de seus desejos com a realidade em que vivem saem estas decepções da pena daqueles que você admira como equilibrados na avaliação da paixão comum.
Para bem da informação dos confrades portugueses, devo dizer, citando o IPEA, que :
"O Brasil não é um país pobre, mas um país extremamente injusto e desigual, com muitos pobres", é o que diz o estudo "A Estabilidade Inaceitável: Desigualdade e Pobreza no Brasil" do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Segundo dados da pesquisa, em 1999 havia 14,5% da população brasileira vivendo em famílias com renda inferior à linha de indigência e 34,1%, com renda inferior à linha da pobreza. Isso corresponde a 22 e 53 milhões de pessoas respectivamente. Comparado ao ano anterior, houve um pequeno aumento: em 1998 havia 21,7 milhões de indigentes e 50,3 milhões de pobres.
No entanto, se analisarmos a renda per capita do Brasil com a de outros países, não podemos considerá-lo um país pobre: a comparação internacional quanto a renda per capita coloca o Brasil entre o terço mais rico dos países do mundo. Apenas 36% dos países do mundo possuem renda per capita superior a do Brasil mas o seu grau de pobreza é significativamente superior à média dos países com renda per capita similar à brasileira. A população pobre do Brasil representa 30% de sua população total, enquanto em países com renda per capita similares esse número é de 10%. De acordo com essa comparação, o Brasil deveria ter apenas 8% de sua população na linha da pobreza.
Esses dados demonstram que a origem da pobreza do Brasil não está na falta de recursos mas na má distribuição dos recursos existentes. Poucos detêm muito e muitos não detêm quase nada. A renda média dos 10% mais ricos do país é 28 vezes maior do que a renda média dos 40% mais pobres. Nos EUA, por exemplo, a proporção é de 5 vezes; na Argentina, 10 vezes e na Colômbia, 15 vezes.
A conclusão é de que o enorme grau de desigualdade na distribuição de renda, praticamente estável nas duas últimas décadas, constitui-se como o principal determinante da pobreza no país. As políticas de combate à pobreza adotadas pelo Governo não são eficazes na medida em que apenas visam o crescimento econômico. Uma estratégia adequada seria unir políticas de estímulo ao crescimento econômico, ao crescimento da renda per capita e à melhor distribuição da renda.
Fonte: Estudo "A Estabilidade Inaceitável: Desigualdade e Pobreza no Brasil" - Barros, Ricardo Paes de; Henriques, Ricardo; Mendonça, Rosane - IPEA - 2001
Pelos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os 10% mais ricos da nossa população receberam 45,7% de toda a renda gerada no país, enquanto que os 10% mais pobre receberam, apenas, 1,0% !!!
Estamos falando de 17 milhões de pessoas que receberam US$ 306 bilhões ou seja, equivale a um país com essa população e que tem renda per capitã de US$ 20,000.00, o que é superior à Portugal, onde os 10% mais ricos têm um rendimento 15 vezes superior aos 10% mais pobres (Dados de 2001). Superior também à Grécia e Irlanda e, relativamente, comparando esta faixa de renda e o número de pessoas, à Argentina, Itália. Todos países com alta taxa de consumação de vinhos.
O que falta para a “explosão do consumo” é :
Em primeiro lugar, clima. Países tropicais são duros de consumir vinhos tintos. Talvez se fossem explorados os Alvarinhos, Rieslings, Sauvignons Blancs.... Não possuo números, mas me parece que os brasileiros bebem muito espumosos, que aqui seguem sendo chamados de champanhe. Vejam só a estatística por região de clima :
Consumo brasileiro : 1,8 litros per capita/ano
Consumo gaúcho : 6 litros per capita/ano ....clima temperado
Em segundo lugar, cultura. A tradição é beber vinho de castas híbridas. Veja só :
Consumo da Serra Gaúcha : 26 litros per capita/ano .....Clima temperado e ascendência italiana. Os com ascendência alemã preferem a cerveja. Os com a portuguesa, o vinho verde, onde o bom produto não é acessível, seja por preço, seja por qualidade.
Em terceiro lugar, pela ganância dos comerciantes que, ao colocarem margens injuriosas e só importarem vinhos caríssimos (como os de Luís Pato), excluem as classes médias do mercado, principal sustentáculo do mercado de vinhos em qualquer país.
Somando-se estes fatores, só resta a Elite brasileira (classe média alta e empresarial) para beber os vinhos de Luís Pato ( mas como ele produz pouco, o mercado potencial desta Elite – 2 a 3 milhões de pessoas é mais que suficiente e tentador).
Por isso acho que o Brasil está condenado a seguir sendo o que é : um país de cervejeiros.
PS Atualizado ..só importarem vinhos caríssimos > nossos “irmãos” argentinos e chilenos acabaram com esta mazela. Mas nos mandam cada bomba...

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