domingo, 10 de julho de 2011

A qualidade da carne de cordeiro: produtor x consumidor


A raça texel é uma das mais procuradas entre osovinos-carne
Foto Arfio Mazzei
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O zootecnista Paulo de Tarso dos Santos Martins, que, periodicamente, nos manda artigos sobre ovinocultura que lê em jornais, revistas e sites, mandou-nos mais um, muito interessante, escrito por Camila Raineri e Augusto Hauber Gameiro, ambos do MyPoint, e solicito autorização para aqui reproduzir. O assunto e o texto são muito bons:
“Por Camila Raineri (MyPoint) e Augusto Hauber Gameiro (MyPoint)
Neste mês, optamos por discutir um artigo sobre o conceito de qualidade de carne de cordeiro. O interessante é que os autores compararam os parâmetros de qualidade considerados pelos dois extremos da cadeia: o produtor e o consumidor, e verificaram que há pontos de concordância e de divergência entre o pensamento destes segmentos.
O trabalho é intitulado "Aspects of quality related to the consumption and production of lamb meat: Consumers versus producers", e foi publicado na revista Meat Science em abril deste ano. Seu objetivo foi identificar e comparar as diferentes avaliações feitas por produtores e consumidores de carne ovina, em relação aos parâmetros utilizados no momento da compra da carne e aos fatores que afetam a produção de carne de cordeiro de qualidade.
Enquanto os produtores e a agro-indústria julgam a qualidade do produto de forma objetiva, como a partir de indicadores técnicos, o conceito de qualidade é muito mais subjetivo para o consumidor. Dois tipos de sinalizadores de qualidade, intrínsecos e extrínsecos, foram propostos para compreender a formação da opinião do consumidor sobre um produto. Os intrínsecos seriam aspectos físicos da carne, como a cor, a quantidade de gordura, ou seu odor. Já os extrínsecos não fazem parte do produto em si, e correspondem ao preço, rastreabilidade e afins. Na cadeia da carne, muitos processos pré e pós abate (como inúmeras interações entre alimentação, controle de doenças, sistemas de produção, idade, raça e sexo) podem afetar as características intrínsecas do produto, e devem ser observados.
A existência de diferenças no julgamento da qualidade da carne de cordeiro significa que há assimetria entre a qualidade fornecida pelos produtores e a desejada pelos consumidores. Desta forma, é de grande importância que se conheçam esses aspectos, para auxiliar o produtor a produzir a carne que o mercado pede, e assim colocar melhor o seu produto e/ou agregar a ele mais valor.
A pesquisa foi realizada em Aragón, uma região no norte da Espanha conhecida por ser grande produtora e consumidora de cordeiros. Segundo os autores, o consumo de carne ovina na região é de 6,5 kg/habitante/ano, bastante superior à média espanhola de 2,4 kg/habitante/ano. Aragón é responsável também por cerca de 13% de toda a carne de cordeiro produzida no país, e seu produto típico são carcaças entre 10 e 13 kg, de animais com idade não superior a 100 dias.
Foram realizadas entrevistas com 371 compradores de carne de cordeiro e 49 produtores. Os pesquisadores pediram que cada participante respondesse a dois questionários, em que deveriam ranquear a importância de sete aspetos relacionados à produção e sete relacionados à comercialização. No Quadro 01 constam os sete itens de cada questionário.
Os resultados apontaram que, em relação aos aspectos de qualidade observados no momento da compra, consumidores e produtores apresentaram ranqueamentos semelhantes quanto às características diretas da carne, etiquetamento, e respeito ao ambiente na produção. Para os quatro outros itens estudados, houve diferenças estatísticas.
Tanto os consumidores quanto os produtores afirmaram que as características diretas da carne são um fator decisivo no momento da compra da carne. O preço foi apontado pelos produtores como o fator mais importante para os consumidores. Já para os consumidores, este aspecto foi menos importante que as características diretas do produto. Assim, houve diferença estatística entre a importância dada pelos consumidores e a importância que os produtores acreditam que é dada pelos consumidores para o aspecto "preço".
O quesito "etiquetamento" foi considerado muito importante por ambas as categorias de entrevistados, logo após as características diretas do produto. Esta é uma estratégia que vem ganhando importância para transmitir confiança ao consumidor, e para garantir destaque aos produtores que possuem sistemas diferenciados de criação. Já a região de produção foi ranqueada de forma diferente entre os entrevistados. Os consumidores deram maior importância à região de origem da carne que os produtores.
No momento da compra, tanto consumidores quanto produtores conferiram ao bem-estar dos animais e ao respeito ao ambiente as duas posições mais baixas do ranking.
Em relação aos aspectos produtivos que podem afetar a qualidade da carne, houve diferença estatística em relação a 3 dos 7 itens: raça, controle sanitário e respeito ao meio ambiente. Quanto aos demais aspectos, as avaliações de produtores e consumidores não diferiram estatisticamente.
Estes resultados sugerem que há uma falta de conhecimento dos consumidores em relação à produção. Sob o ponto de vista comercial, isso pode ser encarado como uma oportunidade para os produtores de cordeiros. Desta forma, pode ser feito um esforço de marketing no sentido de valorizar as características que o consumidor busca na carne. Por exemplo, na pesquisa tanto produtores quanto consumidores apontaram a alimentação dos animais como o aspecto produtivo com maior influência sobre a qualidade da carne. No entanto, em seguida, os consumidores elegeram o controle sanitário, enquanto os produtores escolheram a raça dos animais como segundo aspecto mais importante.
Consumidores e produtores concordaram ao ranquear em terceiro lugar as práticas de higiene na produção. O quarto lugar foi concedido à raça pelos consumidores, e ao controle sanitário pelos produtores. Mais uma vez, os consumidores se mostraram inclinados a associar a qualidade da carne a aspectos sanitários e de higiene.
Além disso, produtores e consumidores concordaram em classificar o sistema de produção, o bem-estar animal e o respeito ao meio ambiente, como os três aspectos menos relacionados à qualidade do produto final. Na opinião dos consumidores, a preocupação ambiental foi mais importante que na dos produtores.
No entanto, foi identificado um segmento de consumidores, em sua maioria mais jovens, para o qual os aspectos de bem-estar e respeito ao ambiente possuem maior importância. Os autores recomendam que tal comportamento não deve ser ignorado, pois pode representar uma tendência de mudança para um futuro próximo.
É muito interessante observar que mesmo em uma região tradicional na produção e consumo de carne de cordeiro há divergências entre o que os produtores e os consumidores consideram como atributos de qualidade do produto. Imagine no Brasil onde há, na maior parte das vezes, um descolamento entre a produção e o consumo de carnes, o que torna freqüente que os consumidores tenham uma idéia muito vaga sobre como aquele alimento é produzido, e sobre todos os processos que o produto sofre desde a fazenda até seu prato. Ao mesmo tempo, temos também uma grande variedade de sistemas de produção, raças, alimentos utilizados e demais aspectos produtivos. E há uma grande diversidade de consumidores do produto, que podem possuir diferentes origens e culturas, níveis de renda e preferências em relação ao tipo de carne ovina que desejam.
Assim, seria interessante conhecer qual o grau de correspondência entre a qualidade que o criador busca produzir e o que aquela que o consumidor valoriza. Tais dados permitiriam direcionar várias técnicas produtivas e até esclarecer o consumidor sobre aspectos desconhecidos por ele. Enquanto não dispomos de dados concretos, e considerando que a cadeia da carne ovina no Brasil encontra-se em fase de busca pelo caminho a ser percorrido, é essencial que cada elo esteja atento a sinais que os demais possam dar, e que se mantenham canais de diálogo entre produtores, indústria, varejistas e consumidores.
Artigo citado
SEPÚLVEDA, W.S.; MAZA, M.T.; PARDOS, L. Aspects of quality related to the consumption and production of lamb meat: Consumers versus producers. Meat Science. 2011, vol. 87, I. 4, pp. 366-372.
Saiba mais sobre os autores desse conteúdo:
Camila Raineri Leme - São Paulo
Zootecnista formada pela FZEA/USP, com mestrado em Qualidade e Produtividade Animal pela mesma instituição. Doutoranda pela FMVZ/USP. Responsável Técnica pela Paraíso Ovinos.
Augusto Hauber Gameiro - Pirassununga - São Paulo
Consultoria/extensão

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