terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Polêmica do vinho comum

Me meti em duas polêmicas ao mesmo tempo, uma na área do cordeiro, outra na área do vinho. Na do cordeiro, participa, inclusive, o Olyr Corrêa, lá do Rio, que tem campos em Livramento, e quer criar uma designação de raça que não existe, a corriedeal. Vamos deixar esta para mais adiante.
A polêmica do vinho é maior e mais pesada. Ao sugerir a extinção dos parreirais de uvas híbridas e americanas, que produzem o vinho comum, por viníferas, para produzir apenas vinho fino, meti a mão numa abelheira. Há muitos anos, desde que escrevo sobre vinhos, o que vem lá dos anos 60 do século passado, sei que os produtores de vinho da serra gaúcha não querem sequer ouvir esta sugestão. Mas, voltei ao assunto, em minha coluna no Jornal do Comércio de Porto Alegre e pessoal já se eriçou.
Vou tentar recapitular o assunto aqui no Blog. Vamos lá:
Publiquei, dia 5, em minha coluna diária no Jornal do Comércio de Porto Alegre:

Vinho fino vende bem, o comum sobra

O Instituto Brasileiro do Vinho divulgou a estatística mais recente da venda de vinhos. De janeiro a novembro de 2009, a comercialização de vinhos elaborados no Rio Grande do Sul – responsável por cerca de 90% da produção nacional – alcançou um crescimento de 13,4%, no Brasil, em relação ao mesmo período do ano passado. Conforme levantamento do Ibravin, foram vendidos 219,8 milhões de litros de vinhos finos e de mesa nos 11 meses de 2009, ante 193,8 milhões de litros colocados de janeiro a novembro de 2008. O incremento nos vinhos finos tintos é ainda superior, de 15,2%, com a colocação de 12,2 milhões de litros – o segundo maior volume da década. O maior foi em 2007, quando foram colocados 12,3 milhões de litros de vinhos tintos finos. O grande problema continua sendo o vinho comum, cujos estoques são imensos – só da safra anterior são 70 milhões de litros. A única solução para este problema, que a maioria dos vinhateiros não quer nem discutir, é erradicar os parreirais de u vas híbridas americanas, substituindo-os por viníferas ou por outras frutas. Para isso, seria necessário um secretário e um ministro de Agricultura com coragem para enfrentar o desafio. A França fez isso em 1927, banindo as híbridas do seu território. O enólogo francês Michel Rolland, em sua primeira visita ao Brasil, disse que o país só conquistará o título de produtor de bons vinhos quando “acabar com o vinho comum”. Quase deram nele lá na serra...
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Como estava antevendo, dia 6 choveram reclamações de vinhateiros da serra gaúcha dizedo que é um absurdo querer acabar com as americanas e híbridas porque o povo bebe, mesmo, é este “vinho de mesa”.
O Ibravin, que também se fez portador de contestações dos vinhateiros, mandou-me uma estatistica, onde se prova que o vinho comum vende mais que o vinho fino, o que, de certa maneira, dá razão aos que não querem acabar com o vinho comum. Ele sustenta a maioria dos produtores
O texto é do jornalista Orestes de Andrade Jr., assessor de imprensa do Ibravin:

Prezado Ucha,
a respeito da tua nota publicada hoje no JC, faço algumas considerações para reflexão do amigo...
A teu pedido, o Departamento de Estatística do Ibravin, comandado pelo enólogo Leocir Bottega, acaba de fazer um levantamento sobre os estoques de vinhos no Brasil.O estudo tem por base a comercialização até novembro e a perspectiva de que em dezembro de 2009 tenha sido comercializada um volume 10% superior ao de 2008. Desta forma, os estoques totais para 1º de janeiro de 2010 são os seguintes (lembre que é uma estimativa):
Vinhos Mesa – 193 milhões de litros
Vinho Finos – 58 milhões de litros
Total – 251 milhões de litros
Deste total, o diretor-executivo do Ibravin, Carlos Paviani, afirma que considera-se excedente cerca de 71 milhões de litros, pois um estoque de passagem de 180 milhões de litros pode ser considerado normal. “Claro que se este estoque de passagem for menor, também seria bom”, observa Paviani.
Além disso, devemos considerar que, isoladamente, os vinhos de mesa tiveram um crescimento de 14,05% de janeiro a novembro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2008. Foram comercializados 203 milhões de litros de vinhos de mesa nos 11 meses de 2009, ante 178 milhões de litros de igual época do ano passado. Os vinhos finos tiveram alta de 6,6%. O destaque mesmo foram os tintos, com incremento de 15,2%.
É isso, um grande abraço!
Orestes Jr.
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Michel Rolland

Citei em meu texto inicial que o enólogo francês, Michel Rolland, em sua primeira visita divulgada ao Brasil, disse que o Brasil só seria reconhecido como produtor de bons vinhos se acabasse com o vinho comum, como fizeram a França e outros países. Lembro bem disso porque eu estava lá, na Miolo, no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, e acredito que tenha sido eu que provoquei o assunto com uma pergunta a Monsieur Rolland. A jornalista Betti Duarte, de Zero Hora, estava junto e também perguntou, fazendo uma bela matéria no dia seguinte, o que causou um “trauma” entre os produtores da serra gaúcha, alguns deles sugerindo até agressão ao francês.
Depois, encontrei Michel Rolland mais três vezes, uma em São Paulo, outra em Candiota e outra novamente em Bento Gonçalves. Embora mais reticente, Rolland continuava com a mesma idéia. Enquanto não acabar com o vinho comum, o Brasil não encontrará o reconhecimento internacional, apesar de produzir bons vinhos, alguns já exportados com sucesso.

Contradição

O problema é que os produtores da serra gaúcha não querem nem pensar nisso porque, segundo eles, são os parreirais de híbridas e americanas que sustentam verdadeiramente o setor. Agora mesmo, na safra do ano passado, encontrei agricultores em Bento Gonçalves que estavam destruindo parreirais de viníferas a machadadas e informando que voltariam a plantar uva Isabel, porque as vinícolas estavam pagando muito pouco pela uva vinífera, enquanto os produtores de sucos e de vinhos de mesa pagavam o dobro pelas uvas comuns.
São estas contradições, aliadas com os altos preços cobrado pelos vinhos de viníferas, que levam o povo a consumir mais vinho comum do que fino. Aliás, a situação é tão estranha que, dia destes, constatei uma coisa fora do comum: uma empresa estava vendendo como vinho de mesa, comum, conforme o rótulo, vinho oriundo de uva cabernet sauvignon de uma conhecida cantina, por preço bem acessível.

3 comentários:

Tarcis disse...

Ucha, tens ainda que lembrar da produção de suco, que é sem dúvida bem melhor quando elaborado com a Concord, do que com qualquer uva vinífera. Na minha opinião, na verdade deveria ser o suco de uva, a alternativa para este excesso de produção de uva. Acredito que a maioria das empresas produtoras de suco de uva estão sem suco e com vinho comum estocados hoje.
Sem, contar contar todas bebidas feitas a base de vinho comum, como os coolers e sangrias.
Forte Abraço.

OC disse...

E os vitivinicultores da Serra tem toda a razão.
Sem um plano de governo, sem regras para a compra de uvas de vitis vinifera "nobres" (inventaram esta agora!)eles só podem esperar o pior: encalhe e exploração.
Vou repetir um trecho do que escrevi sobre as reinvidicações da Apex- Brasil ao Presidente Lula:


"Se existe algo de positivo na imigração italiana com relação ao vinho, não é seguramente o consumo de vinho de garrafão. A isto foram compelidos pelas inclemências do clima e das pestes. A tradição italiana de imenso valor cultural trazida pelos imigrantes é a de beber vinho com a comida, como alimento. E é por isso que o Brasil e a Argentina são dos poucos países onde se bebe vinho tinto com queijos e embutidos (os "salumi").

Não é a cultura dos anglo-saxões. Do vinho como álcool. Que produz essas abjetas concocções abusadas de álcool e de cor preta. Para embriagar e não para o prazer e a alimentação.

Essa cultura alimentícia nós temos e é ela que faz consumir a maior parte dos 210 milhões de litros vendidos. Mas tem que ser algo produzido com custo eficiente e preço justo para a população que bebe esses vinhos. Será possível? Claro que é! Porque Argentina e Uruguai puderam e nós não? Porque o povo argentino bebe bonarda e o uruguaio, tannat? Nós somos muito mais competitivos que eles em qualquer área. É só querer ser. Vontade política, determinação, dedicação e persistência.

Na minha opinião, de 45 anos bebendo vinho (qualquer "vinho"), o nosso mercado não quer vinho de garrafão. Quer vinho acessível e que acompanhe comida. Porque não de vitis vinífera?....A estratégia é muito simples e nada original: com a lei, o marketing, a propaganda, os subsídios e a mitigação (como diria a ministra Dilma) de impostos, vamos inverter o consumo brasileiro e levá-lo ao vinho de viníferas"

Ucha, você está certo, confie no teu taco porque você é sábio por experiente, não por safado, como alguns aproveitadores dos campônios do vinho.
Você sabe que eu também luto por um plano de governo para a reconversão há décadas.

Um abraço

Olyr Corrêa

Anônimo disse...

Ucha amigo, saúde.

Em Portugal o vinho de americanas foi proibido pois continha muito Metanol e "Diglosido de Malvidina" que é CANCERIGENO. Nós tinhamos que fazer um curso com os uruguaios. Eliminaram as americanas e têm vinho de vitis a U$ 1,50. Que tal? Brasileiro reclama muito e faz pouco. Deveríamos fazer gestão junto ao Governo com isso e não com o selo fiscal. Didú Russo.