Meu parceiro de uma degustação às cegas de espumantes, realizada pela revista Sabores do Sul, no restaurante Le Bateu Ivre, em Porto Alegre, o enólogo Tarcis Rafael Capelletti, do Armazém dos Importados, manda-me um artigo do enólogo chileno Patrício Tapia, sobre as diferentes avaliações de vinhos. O titulo é Arrivismo enológico e o autor diz que, como no show business, acrítica de vinho perde quando usa os mesmos critérios para avaliar rótulos de massa e de butique.
Eis o texto do Tapia, autor do Guia Descorchados, principal publicação de vinhos do Chile:
“Fui ver um show do Jonas Brothers dias atrás. Não sei se vocês o conhecem, mas essa banda foi criada pelos estúdios Disney, e hoje faz milhões de crianças no mundo enlouquecer, inclusive minha filha Emilia, de 8 anos. Obviamente, o show foi um resumo de todos os lugares comuns que o pop já fabricou em sua história: saltos, guitarras estridentes, yeah yeahs, beijos, luzes, gritos e não sei o mais o quê. O fato é que, no dia seguinte, a crítica especializada dedicou seus comentários ao show. Claro que fizeram picadinho deles. Alvo fácil.
É provável que os críticos que destruíram o Jonas Brothers não tenham filhos de 8 anos. Daí sua postura. Devo dizer que as duas horas em que estive ali, maravilhado, escutando esses garotos que mal ultrapassam os 20 anos, foram mais que bem pagas.
É possível também que a dureza dessas críticas tenha outros motivos. Por exemplo, o de que o show do Jonas Brothers tenha sido avaliado com os mesmos critérios com que se avalia um show do U2, do Sonic Youth ou dos Rolling Stones. E considero isso um grande erro, já que se trata de produtos completamente diferentes, que mostram coisas distintas, que têm ambições quase opostas. Como medir nos mesmos parâmetros uma banda que busca emocionar uma menina de 8 anos e outra que espera emocionar uma platéia de homens e mulheres mais ou menos experientes na vida?
No mundo da crítica de vinhos, acontece a mesma coisa.
Como avaliar, com o mesmo critério um vinho de 300 dólares e com produção de 2.000 garrafas, por exemplo, e outro que custa 3 dólares e com produção de 500.000 caixas? É um assunto complexo, principalmente quando em um dia nos deparamos com esses grandes vinhos cheios de caráter e, no dia seguinte, temos de degustar esses Cabernet com aroma de Coca-Cola.
Nesses tempos de crise econômica mundial, tenho pensado sobre esse assunto. Qual é o mérito de um vinho de massa, comercial, um vinho cuja única pretensão é acompanhar a refeição de um dia qualquer da semana? Como podemos ser justos com ele?
Minha teoria é que o melhor vinho barato, comercial, de massa, é aquele em que não existe ambição, no qual só se sente a fruta, no qual não há defeitos nem corpo exageradamente potente ou álcool desmedido. Nele, só há fruta direta, honesta e limpa, os tipos de aroma e sabor que é possível obter quando o vinhedo possui a titânica tarefa de produzir dezenas de quilos por videira. O que estou querendo dizer é que gosto dos vinhos de massa quando estes assumem sua condição, quando não tentam ser o que não são.
Mas o problema é que o mundo do vinho está repleto de garrafas que pretendem mais. Esses tintos e brancos nos custaram 2 reais e estão cheios de chips que sentem a madeira (um símbolo de status) ou de taninos adstringentes que poderiam pressagiar um longo armazenamento em garrafa. Mas esses só se tornarão amargos com o decorrer dos meses e de um álcool exagerado, que serve de disfarce para a falta de concentração na fruta. Sempre observamos esse tipo de arrivismo enológico nas estantes dos supermercados e, ainda que o preço desses vinhos seja muito baixo, o que recebemos efetivamente é muito menos do que pagamos por eles.
No fundo, tudo é uma questão de honestidade. E nisso, nós, os críticos de vinhos, e os consumidores devemos ficar muito atentos para qualificar cada vinho dentro de seu real contexto.”
Quando conversei com Capelletti, disse-lhe que penso de forma mais ou menos igual. E lembrei-lhe que comecei a gostar de vinho, quando jovem, lá pelo início dos anos 60, bebendo verdadeiras zurrapas que chegavam a Livramento em grandes tonéis de madeira, eram “batizados” com água e álcool pelos engarrafadores e, nos botecos, nós ainda os piorávamos mais, pedindo ao bolicheiro um “pé sujo”, vinho tinto misturado com outras bebidas ou refrigerantes. Depois, quando vim para Porto Alegre, muito bebi vinho de garrafão, que ia comprar diretamente na serra, na Cooperativa São Pedro, em Flores da Cunha, na Aliança, em Caxias do Sul, e na Forqueta (lembro quando ela começou a colocar cabernet sauvignon nos garrafões, que loucura!), em Farroupilha. Hoje, refinei, um pouco, o paladar, sei apreciar um bom vinho de vinífera, elaborado com esmero e cuidados desde o vinhedo e vinificação até o envelhecimento, mas respeito o vinho de garrafão, até o vinho comum, não sou radical como enólogo francês Michel Rolland que disse aqui, na cara dos gaúchos, que o Brasil só vai ter vinho de qualidade e prestígio quando eliminar o vinho comum!
Para conversar com Tarcis Rafael Capelletti, é no Armazém dos Importados - Rua Padre Chagas, 196 - Porto Alegre – RS - 55 (51) 3346.7307 - www.armazemdosimportados.com.br
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