quinta-feira, 19 de abril de 2012

O pedido de salvaguarda – Uma defesa do vinho brasileiro



Carlos Raimundo Paviani, diretor-executivo do Ibravin
Foto Gabriela Mo
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O site Sul21 fez uma grande entrevista com o diretor executivo do Ibravin, Carlos Paviani, que mais uma vez defendeu a necessidade do governo criar uma salvaguarda ao vinho brasileiro. O entrevistador, Samir Oliveira destacou que “alguns brasileiros são contra os nossos produtos.Dentre esse produtos os vinhos são os que mais sofrem com as importações..temos vinhos bons e ruins como em qualquer lugar..Mas uma coisa é certa: tem brasileiro que é antinacionalista. Veja porque!!!! Na visão de Carlos Raimundo Paviani, mentalidade “colonialista” dos brasileiros cria noção de que os vinhos importados seriam melhores.”
Samir Oliveira continua: “Em julho de 2011, quatro entidades que representam o setor vitivinícola brasileiro ingressaram com um pedido junto ao governo federal para que sejam adotadas medidas de proteção à produção nacional de vinho. Ameaçados com a entrada crescente de produtos estrangeiros, os vitivinicultores brasileiros reivindicam que a presidente Dilma Rousseff (PT) coloque em prática o mecanismo da salvaguarda, restringindo quantitativamente a entrada de vinhos importados no país.
Em março deste ano, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior publicou uma circular no Diário Oficial da União iniciando o processo de análise da situação – que poderá culminar com a adoção da salvaguarda à produção nacional. Contrários à medida, alguns restaurantes do centro do país têm boicotado a compra de vinhos brasileiros em seus estabelecimentos.
Nesta entrevista ao Sul21, o diretor-executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Carlos Raimundo Paviani, critica a retaliação adotada pelos restaurantes e detalha as dificuldades que os vitivinicultores brasileiros enfrentam para comercializar seus produtos. “Foi uma medida de retaliação que consideramos imprudente, precipitada e injusta”, diz Paviani sobre o boicote. Ele acredita que há uma mentalidade “colonialista” que entende que os produtos importados seriam melhores. “Em qualquer país do mundo civilizado, o primeiro produto apresentado no restaurante é o nacional”, compara.
Além do Ibravin, também capitaneiam a iniciativa de exigir salvaguarda a União Brasileira de Vitivinicultura, a Federação das Cooperativas do Vinho e o Sindicato da Indústria do Vinho do do Rio Grande do Sul.
“Há um cenário mundial de reorganização do setor vitivinícola. Há pelo menos uma década e meia a produção mundial é maior do que o consumo”
Sul21 – Qual a situação da produção nacional de vinhos atualmente?
Paviani – O setor vitivinícola gaúcho e brasileiro vem num processo de transformação muito grande nos últimos anos, buscando mais qualidade e focando alguns produtos. São quatro setores na produção: vinhos de mesa, vinhos finos, sucos de uva e espumantes. Em relação ao setor de vinhos finos, fizemos uma solicitação ao governo federal no ano passado para que fosse adotada uma medida de salvaguarda. Nos comprometemos a apresentar um plano de investimentos e reestruturação do setor para que possamos aumentar a qualidade dos produtos nacionais e ampliar a competitividade.

Sul21 – Como seria aplicada, na prática, a salvaguarda?
Paviani – Seria aplicada na forma de restrições quantitativas das importações. O setor de vinhos finos vem crescendo no Brasil. De 2006 a 2011 cresceu 35%, passando de 68 milhões de litros para 91 milhões. Mas o setor produtivo brasileiro não participou desse crescimento, que foi abocanhado pelas importações.


Paviani alerta para necessidade de proteção da produção nacional diante do assédio dos produtos estrangeiros ao mercado brasileiro | Foto: Gabriela Mo/IBRAVIN

Sul21 – Há quanto tempo os produtores de vinho enfrentam essa situação no Brasil?
Paviani – A curva começa a inverter ainda nos anos 2000. Mas nos últimos anos, com a crise econômica mundial, esse processo se intensificou. Só nos primeiros meses de 2012 as importações aumentaram em 34%. Há um cenário mundial de reorganização do setor vitivinícola. Há pelo menos uma década e meia a produção mundial é maior do que o consumo. Isso faz com que os países entrem numa competição muito grande.

Sul21- Nesse cenário o Brasil é um mercado cobiçado?
Paviani – O mundo inteiro tem olhado para o Brasil nos últimos anos. Somos a bola da vez. Há uma classe C ascendente, com poder aquisitivo crescente, além de estabilidade política e econômica. O país praticamente se protegeu da crise mundial, que não chegou a abalar o Brasil da mesma forma que abalou os principais países produtores de vinho. Então eles vêm para o mercado brasileiro com agressividade. É em função desse ataque que propomos essa medida de defesa comercial chamada salvaguarda.

“Já manifestamos ao governo que não queremos aumento de impostos sobre importações, porque seria um ganho ilusório de competitividade”
Sul21 – Não é uma medida protecionista?
Paviani – Protecionismo é quando um governo, sem lei nenhuma, diz que não entra mais determinado produto no país. A salvaguarda parte de um processo a ser estabelecido. É um tema novo para o Brasil, por isso gerou esse desconforto e essas informações distorcidas. O pedido foi feito em julho de 2011 e foi publicado no Diário Oficial da União na forma de uma circular do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no dia 15 de março deste ano. O governo abriu o processo administrativo para avaliar a situação e averiguar se adotará ou não as medidas de salvaguarda. Nós apostamos que ela será concedida. Mas é uma decisão que cabe ao governo.

Sul21 – Se for acatada pelo governo, a salvaguarda aos vinhos nacionais fará com que aumentem os impostos sobre os importados?
Paviani – O modelo de salvaguarda prevê que ela pode ser concedida de duas formas: pelo aumento de impostos ou por restrições quantitativas. Já manifestamos ao governo que não queremos aumento de impostos sobre importações, porque seria um ganho de competitividade de forma ilusória. Quando caírem os impostos, volta-se ao patamar anterior. Estamos propondo que ocorra uma restrição quantitativa das importações, de forma que a produção nacional possa participar desse mercado que está crescendo. Não seriam eliminados os produtos importados que existem hoje, mas o crescimento será um pouquinho menor. Não é tirar do mercado o que já tem, é permitir que o vinho nacional possa concorrer também de forma quantitativa durante os três anos em que vigorar a salvaguarda.


"O que vai garantir a produção nacional é melhoria da competitividade, produção em escala maior, redução de custos e promoção dos produtos" | Foto: Gabriela Mo/IBRAVIN

Sul21 – Esse pedido de salvaguarda motivou protestos por parte de importadores e restaurantes. Como o senhor avalia o boicote aos vinhos nacionais promovido por alguns estabelecimentos?
Paviani – Foi uma medida de retaliação que consideramos imprudente, precipitada e injusta. Há dificuldade em se comercializar os vinhos em alguns restaurantes por falta de imagem. São poucos os restaurantes que têm uma carta de vinhos nacionais considerável. A grande maioria tem dois ou três vinhos brasileiros, o que dá cerca de 10% da carta. Fazer um boicote e retirar esses 10% é quase uma piada. São cinco ou seis restaurantes do centro do país que estão fazendo isso. Na verdade, como 90% dos vinhos que eles oferecem são importados, o boicote sempre existiu. Só ficou mais claro agora porque não aceitam a salvaguarda. Estão influenciados por alguns importadores que compram as cartas de vinhos. Adotaram a posição de serem contra a salvaguarda sem saber se ela vai ser implantada ou não e de que forma ela vai ser aplicada.

Sul21 – Isso acaba limitando a liberdade do consumidor, que poderia preferir tomar um vinho nacional.
Paviani - Em qualquer país do mundo civilizado, o primeiro produto apresentado no restaurante é o nacional, depois apresentam o vinho dos outros países. No Brasil é ao contrário, primeiro oferecem os vinhos da Argentina, do Chile, da França e da Itália. No final da carta há uma página para os produtos brasileiros. E isso não ocorre só com o vinho. É uma mentalidade colonialista de que tudo que é importado é melhor.

“Os franceses formaram o Comitê Revolucionário de Ação Vitivinícula. Lá a conversa é outra e o governo regula essas questões. Aqui só falam no livre comércio”
Sul21 – É um problema de marketing da produção nacional, não de qualidade?
Paviani – Tem vinhos bons e ruins em tudo que é lugar do mundo. O Brasil não é diferente nesse sentido. Mais do que a qualidade intrínseca, precisamos trabalhar também a questão da percepção do produto. Reconhecemos essa dificuldade. Por isso que o plano de ajuste que se está propondo trabalha com a intensificação da promoção do vinho brasileiro para que ele possa ser assimilado pelo consumidor. Somente a salvaguarda não vai garantir. O que vai garantir a produção nacional é um trabalho mais expressivo de melhoria da competitividade, de produção em escala maior, de redução de custos e de promoção dos produtos.

Diferenças entre ICMS nos estados também dificultam comércio, diz diretor do Ibravin | Foto: Gabriela Mo/IBRAVIN

Sul21 – Como os outros países protegem as produções locais de vinho?
Paviani – Os outros países quase não importam vinho. A França importa, mas há dois anos os franceses derrubaram uma carreta de vinho na fronteira com a Espanha. Eles pegam em armas mesmo. Chegaram a explodir a sede do Ministério da Agricultura numa cidade do interior. Os franceses formaram o Comitê Revolucionário de Ação Vitivinícula. Lá a conversa é outra e o governo regula essas questões. Aqui só falam no livre comércio. Mas o livre comércio tem que ser em igualdade de condições.

Sul21 – Além da competição internacional, há as variações de impostos dentro do Brasil. Como isso afeta as produções regionais?
Paviani – Estamos trabalhando para reduzir o ICMS nos outros estados. No Rio Grande do Sul, o imposto sobre o vinho gaúcho é de 17%, mas na venda externa para outros estados é 12%. Gostaríamos que fosse o mesmo nos outros estados. A grande maioria adota uma taxa de 25% sobre o vinho. Pior do que isso é que alguns estados estão concedendo redução total do ICMS sobre importação dos vinhos, como Santa Catarina e Espírito Santo. É a guerra dos portos, onde uma série de estados está estimulando importações. Há um projeto de lei que iguala em 4% o ICMS para importações de vinho em todo o país. É menos do que para a produção nacional. Mas pelo menos iguala entre todos, para não ter vantagem de um estado sobre outro.

Sul21 – Como é o perfil dos produtores de vinho brasileiros? São, em geral, pequenas ou grandes propriedades?
Paviani – A maioria da produção nacional é feita por pequenos produtores. Temos uma média de 2,5 hectares de parreirais por produtor. No segmento de vinhos finos houve investimentos em novas regiões, na Metade Sul do Estado e no Oeste do Paraná, por exemplo. É um segmento que tem um potencial de resposta maior do que o aproveitado hoje. Se a concorrência fosse em igualdade de condições seria tranquilo. O problema é que não é. O cenário mundial é de superestoque e muitos países ajudando os produtores a promover seus produtos. Isso estabelece condições de competitividade diferenciadas.

“Discurso de Dilma foi indicativo de vontade política. Foi a partir da Feira da Uva deste ano que as coisas andaram mais rapidamente”
Sul21 – Qual sua avaliação do apoio do atual governo aos produtores nacionais?
Paviani – Conseguimos colocar o assunto em pauta na agenda política nacional dos últimos anos. Somos considerados um setor pequeno. Na década de 1990, quando o governo negociou acordos com o Chile, nós sequer fomos ouvidos. Houve um acordo que tornou o vinho chileno mais competitivo no nosso mercado. Pelo menos agora o governo, ao aceitar analisar o processo de salvaguarda, está dizendo que tem que olhar de forma diferente o setor. É um ponto que entendemos como positivo, porque compromete o governo com o setor.

Sul21 – O discurso da presidente Dilma Rousseff na Festa da Uva foi um sinal positivo para o setor?
Paviani – Foi um indicativo de vontade política, sem dúvida. Foi a partir da fala dela que as coisas andaram mais rapidamente.

Sul21 – E se, depois de toda a mobilização, o governo entender que a salvaguarda não precisa ser adotada?
Paviani – Eu diria o seguinte: teríamos que fazer como os franceses (risos).

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