O blogueiro cozinhando cordeiro para a Embrapa, em Brasilia
Foto Sérgio Gonzaga
Esta foi a reportagem que o jornal A Platéia de
Livramento, onde comecei a minha carreira jornalística, lá nos longínquos anos
de 1960, publicou na sexta-feira, 10-01-14, e que mereceu os elogios do Juan
Alvez. Lembrei-me da juventude nos campos do São Diogo e do Passo do Mineiro:
“Um dos pratos mais populares da culinária campeira do
Rio Grande do Sul, especialmente nas regiões da Campanha e da Fronteira Oeste,
onde estão os grandes campos nos quais pastam milhares de bovinos e ovinos, é o
chamado Arroz de Esquilador, que alguns também identificam como Espinhaço de
Ovelha, neste caso elaborado com outros ingredientes, que não o arroz:
mandioca, batata, farinha, etc.. O Arroz de Esquilador, segundo a lenda, nasceu
nos galpões das grandes estâncias, quando a ovelha era uma importante riqueza
da região, graças à valorização da lã, e a época da tosquia, na Primavera,
reunia, em alguns casos, dezenas de homens, para tosar os grandes rebanhos,
cuja lã tinha bom preço e, muitas vezes, pagava todas as despesas do ano e
ainda deixava lucro ao fazendeiro.
No início, se fazia à tosa à martelo, com uma grande
tesoura de aço manuseada com rapidez. Depois, veio a máquina de tosar, que
diminuiu o número de homens necessários, mas, mesmo assim, ainda exigia grande
mão de obra. Em ambos os casos, era preciso trabalhar com muita rapidez.
Primeiro, porque a quantidade de animais era muito grande; depois, porque o
patrão tinha pressa para mandar a lã para as barracas, na cidade, e,
finalmente, porque podia chover e os animais, recém tosados, não podiam receber
água direto no corpo nu porque morriam.
Esta rapidez exigia que os homens não parassem as
tesouras nem para comer. Então, precisavam fazer uma comida simples e rápida. E
nada mais adequado para isso do que encher um panelão com água, sal e temperos
e jogar dentro pedaços de carne de ovelha que ferviam ate ficarem
macios e quase largarem do osso. Quando chegava neste ponto, era só acrescentar
o arroz e cuidar para que não cozinhasse muito. Quando estava al dente, era só
servir, inclusive com algum caldo, para molhar e amolecer a bolacha
cabeça-de-anjo que era uma verdadeira pedra. O longo tempo para ferver a carne
também se explica. Como, na época, o que interessava era a lã das ovelhas e não
a carne (valorizada hoje), os fazendeiros deixavam as ovelhas envelhecerem no
campo – 3,4,5 anos – para obterem mais lã todos os anos. Só abatiam os animais
velhos, quando já não produziam tanta lã, e esta era carne que ia para consumo nas estâcias,
portanto, com o característico cheio forte da ovelha e carne dura. Tinha que
ferver muito para soltar do osso e ficar gostosa.
Na minha infância e juventude, nos campos do São Diogo,
às margens dos rios Ibirapuitã e
Ibirapuitã Chico, foi que aprendi a preparar o Espinhaço de Ovelha e o
Arroz de Esquilador. Muito suei, também, dentro das bolsas de lã penduradas
numa trave do galpão, pulando para acamar os velos, serviço terrível, diante do
calor da época, mas melhor do que agarrar as ovelhas, capões e carneiros, no
muque, na mangueira, e trazê-los para os esquiladores. Quando eram da raça
Merino Australiano, a de melhor lã, era relativamente fácil, porque eram animais de pequeno
porte, mas, depois, a família optou pelo Corriedade e eram um bichos enormes,
pesados, com cascos afiados que cortavam os pés calçados com alpargatas Roda.
Dito isso, vamos à receita de Arroz de Esquilador, como
está no meu primeiro livro, Cordeiro na Mesa, publicado em 1998, numa homenagem
ao jornalista Adalberto Moacir de Menezes Jardim, meu parceiro de muitas
cozinhadas, pesquisas de receitas e amante da carne de cordeiro. Para quatro
pessoas; oito pedaços de espinhaço, 1,5 xícara de arroz, duas cebolas, dois
tomates, uma cabeça de alho, sal e pimenta à gosto, óleo suficiente para
fritar. Frite as carnes com a cebola, o alho e o tomate. Cubra com água e deixe
ferver por meia hora ou mais, até que a carne comece a se desprender dos ossos.
Acrescente o arroz (e mais água, se for necessário) e em 10/15 minutos estará
pronto. Coma quente, com o arroz al
dente, bem molhado.
Os uruguaios gostam de acompanhar com um pão francês novinho
e crocante. Para beber, escolha um bom tinto de sua preferência. Eu, como sou
meio bairrista, sempre escolho um Tannat Amat, do Javier Carrau, ali no Cerro
do Chapéu, em Rivera, e um Tannat Vinhas Velhas, da Almadém, lá do Cerro de
Palomas, cuja produção muito solicitei ao Adriano Miolo, quando eles compraram a vinícola, aproveitando as vinhas
com mais de 35 anos plantadas pela National Distillers em Palomas.
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Aqui vai outra receita
Como escrevi no texto anterior, o Arroz de Esquilador e o
Espinhaço de Ovelha se confundem. Aqui vai uma receita, de Espinhaço à
Fronteira, feito com farinha de mandioca, também do meu primeiro livro..
Dois quilos de espinhaço serrado em pedaços. Nos bons
tempos de minha juventude, a gente desconjuntava com a ponta de faca bem afiada.
Cento e cinqüenta gramas de tomates, um dente de alho, 100g de cebola picada,
25 g de pimentão (há quem não goste), uma folha de louro, três galhinhos de
manjerona, 100 g de óleo, uma colher de extrato de tomate, uma pitada de
pimenta do reino, 50 g de sal, sal à gosto e uma e meia xícara de farinha de
mandioca.
Soque num pilão o sal, a pimenta e a manjerona, passe na
carne e deixe repousar por uns 15
minutos. Pique a cebola, o tomate, o pimentão e o louro e jogue na panela onde
o óleo já estará quente. Frite bem os pedaços de espinhaço, cubra com água e
deixe ferver até cozinhar. Quando estiver macio, comece a acrescentar, aos
poucos, a farinha de mandioca, com cuidado para não embolar, até que se forme
um pirão macio. Sirva quente, com arroz branco e saladas verdes, de tomate e de
cebola crua. Este é um prato que também pede um vinho tinto. Quando o preparo
em casa, busco na adega um Merlot, especialmente os elaborados por Rosana
Wagner e Gladistão Omizzolo, na Vinícola Cordilheira de Santana. Tenho bebido o
Reserva Especial - Merlot 2004 e não tenho me arrependido da escolha. Pena que o estoque esteja acabando.
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