Olyr Correa, enófilo do Caty, onde fica sentado, olhando os
cavalos e as ovelhinhas e pensando se planta ou não planta videiras, e do Rio de Janeiro, onde olha coisas mais cativantes,
manda um artigo de Vitor Gomes Pinto da ABS Brasilia. E acrescenta “cuidado com
os taantes e os malbeques”.
Este é o texto de Gomes Pinto:
“Não se trata, aqui, de falar em ressaca. Afinal, você deve
respeitar os limites de seu organismo e, por mais que goste de vinho ou de
qualquer outra bebida, ingerir apenas a quantidade que seu organismo aceitar
sem ultrapassar a barreira da normalidade. Para algumas pessoas, no entanto,
até mesmo uma só taça de vinho tinto tem o poder de desencadear, em minutos ou
em poucas horas, uma forte dor de cabeça que pode (mas em geral não o faz)
provocar náuseas. O fenômeno é tão freqüente que ganhou até nome na literatura
médica: é a Síndrome da Dor de Cabeça pelo Vinho Tinto, RWH na sigla em inglês
(Read Wine Headache syndrome). A discussão sobre suas causas e significados
ganhou ênfase doze anos atrás quando o New York Times repercutiu, quase sem
tirar nem por, uma análise publicada na revista Harvard Health Letter. Desde
então médicos, químicos, consumidores, enólogos e vinicultores procuram
compreender o fenômeno. Em princípio, à exceção dos que sofrem de asma,
urticária ou são alérgicas a componentes do vinho respondendo à sua ingestão
com sintomas de enxaqueca, não há uma razão clara para a manifestação da RWH
que, não obstante, resiste aqui e alhures.
Uma importante corrente de estudiosos afirma que a culpa é
do SO2 que atende por vários nomes: anidrido sulfuroso, dióxido de enxofre,
sulfito, INS 220 (classificação pelo International Numbering System). É o
conservante que permite maior longevidade aos alimentos atuando como
antisséptico, antibacteriano e agente clareador relevante inclusive no caso de
frutas de balcão e de vinhos brancos que de outra maneira ficariam marrons.
Evita a formação de ácido acético que tornaria o vinho avinagrado, mas em doses
exageradas pode acidificar o solo e depois, no produto final, gerar um
característico cheiro de ovo podre. É conhecida a história de um degustador
sueco que provou vários vinhos com odor a fósforo e questionou se a vinícola
tinha problemas higiênicos para adicionar tantos sulfitos. Uma vez que o SO2
está presente na casca das uvas, é impossível produzir vinhos absolutamente sem
contê-los. Aliado da videira, o enxofre se opõe a parasitos muito vorazes como
os fungos míldio e oídio. No processo de vinificação é adicionado ao mosto logo
depois do esmagamento das uvas para combater bactérias e leveduras
indesejáveis. O vinho normalmente é um meio ácido. Um baixo pH, por volta de 3
(um meio neutro tem pH igual a 7), está associado a uma vida mais longa do
vinho e quanto menor o pH menos SO2 lhe será necessário.
Os efeitos potencialmente prejudiciais à saúde dos sulfitos
fizeram com que a FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos
impusesse a exigência de que os produtos contendo 10 mg ou mais de SO2 (dez
partes por milhão) devem obrigatoriamente fazer constar no rótulo: “contém
sulfito” (ou SO2, ou INS 220). Contudo, não há qualquer obrigatoriedade de
revelar qual o teor real em cada produto. No Brasil, que segue o padrão
americano, a Anvisa aceita que o vinho possa conter até 350mg. Na União
Européia o limite máximo é de 160 mg/litro e na Austrália (para vinhos tintos
secos) de 250 mg/l. Quanto mais alta a dosagem de SO2 maiores são as chances de
que a dor de cabeça se manifeste (assim como em vinhos baratos que costumam
adicionar mais açúcar para elevar o teor de álcool que então se torna mais
impuro e mais danoso). Algumas aferições de laboratório feitas em estudos brasileiros
têm indicado que o teor de SO2 em vinhos tintos nacionais situa-se num patamar
de até 200 mg/l, mas isto depende da acidez do líquido e, em última análise, da
consciência do produtor. A Ingestão Máxima Aceitável (IDA) de sulfitos, segundo
a FAO e a OMS, é de 0,7 mg por kg de peso, ou seja, 49 mg para uma pessoa que
pese 70 kg. Uma meia garrafa de tinto que contenha apenas 15 mg por litro (15
partes por milhão), por si só proporciona 56 mg de SO2. É importante, ainda,
considerar outras fontes de ingestão diária, pois os sulfitos estão em
proporções por vezes mais altas, p.ex. em frutas cristalizadas, sucos
industrializados, geléias, mostarda, biscoitos, licores, salsichas.
Cada vez mais surgem vinhos naturais (sem sulfitos) e os
que, respeitando a natureza como os ditos biológicos, orgânicos ou
biodinâmicos, por vezes adicionam quantidades mais baixas do dióxido de
enxofre. O Instituto Francês do Vinho (IFV) permite a presença de anidrido
sulfuroso até mesmo nos naturais. A ausência de SO2 torna o vinho instável
provocando perdas de até 50% da produção, de onde resultam preços finais
elevados e de reduzida competitividade no mercado. Juan Carrau, que ainda
produz entre outros o Velho do Museu, um ícone brasileiro, quase na divisa com
o Uruguai, diz que a condução dos vinhedos orgânicos (e biodinâmicos) é um
caminho para atingir vinhos de melhor qualidade em equilíbrio com o meio
ambiente e não necessariamente para reduzir o teor de SO2. Ainda assim,
felizmente é crescente a oferta de vinhos com pouco ou sem sulfitos no mercado
e, uma vez que o ar é o principal fator para abreviar a sua longevidade,
surgiram melhores lacres, ceras colocadas acima da rolha e tampas (screw caps)
que proporcionam uma mais perfeita vedação. Produtores europeus e norte-americanos
têm ofertado vinhos com zero ou baixos teores de sulfitos, como a Frey
Vineyards no norte da Califórnia (em Redwood Valley), Roboredo Madeira no Douro
com o Carm que tem “SO2 free” no rótulo (importado pela World Wine), ou o Côtes
du Rhone Belleruche do mestre das práticas biodinâmicas Michel Chapoutier. E,
no Chile, vale lembrar as criações da Nativa Viñedos Orgánicos (estes dois
últimos na Mistral).
Um dos mistérios nesta equação é que os brancos, nas mesmas
condições (de ingestão moderada), não causam dor de cabeça embora, devido à sua
menor resistência à oxidação, requeiram maiores dosagens de SO2. Tal fato tem
levado os pesquisadores a apontar outros possíveis culpados para a RWH, como as
histaminas, a tiramina e os taninos. Vinhos tintos contém de 20% a 200% mais
histamina (é produzida pelo organismo e ingerida por meio dos alimentos) do que
os brancos e pessoas alérgicas podem ser afetadas pela dilatação e contração
dos vasos sanguíneos de onde resulta a dor de cabeça. Já a tiramina, outra
amina, que tem sido associada à ocorrência de enxaquecas, parece mais
prejudicial em vinhos muito jovens ou naqueles não adequadamente filtrados ou
mal estocados. Os taninos, próprios dos tintos, atuam como potentes
antioxidantes e servem para conservar, dar cor, substância e aromas ao vinho,
mas são liberadores de serotonina, um neurotransmissor (conduz impulsos
nervosos e atua no controle da ansiedade, medo, depressão, sono, percepção à
dor) que em altos níveis pode provocar dores de cabeça em pessoas sensíveis. É
preciso lembrar, ainda, que o álcool ─ com teores que vão desde 7% em um
riesling do Mosel ou num vinho verde até 16% em certos gewurztraminer da
Alsácia ou zinfandels ─ costuma ser responsável por desidratação e pelas
cefaléias que ocorrem logo após a sua ingestão.
É provável que as dores de cabeça sejam, para quem delas
sofre com alguma freqüência, o resultado do somatório de vários fatores,
cabendo a cada um esforçar-se para identificar o que mais o afeta. Algumas
possíveis soluções para casos reais de RWH: a) prefira vinhos brancos; b)
prefira vinhos com teor mais baixo de álcool; c) opte por varietais das uvas
gamay e pinot noir que são menos tânicas, mas observe se o consumo de
chocolates e chá ou outros alimentos que também contém taninos lhe causam os
mesmos efeitos; d) experimente tomar, antes do vinho, um comprimido de aspirina
ou, se não tiver problemas de pressão alta nem for idoso, uma cápsula de
ibuprofen (Advil), consultando seu médico se tiver dúvidas sobre a medicação;
e) procure ter acesso a vinhos sem SO2 ou orgânicos/biodinâmicos/biológicos que
informem adicioná-lo em baixas quantidades; f) lembre-se de ingerir água entre
uma taça e outra, mantendo-se hidratado; g) adapte-se, mas não deixe de
usufruir tudo o que um bom vinho pode fazer pela sua saúde e pela sua
vida.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Associado da ABS-Brasília”
Escritor. Associado da ABS-Brasília”
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