domingo, 13 de setembro de 2015

O vinho Quinta do Seival e a história do vinho gaúcho

Miguel Ângelo Vicente Almeida é um enólogo e winemaker português do Miolo Wine Group que conheci em minhas andanças pelo mundo do vinho e logo que ele chegou ao Brasil, trazido por Adriano Miolo, para ajudar no processo de crescimento e qualificação dos vinhos da companhia, quando ela começou a crescer. Além de qualificado como enólogo criador de vinhos, Miguel gosta de escrever. Agora, ele está mandando um texto sobre um grande vinho que ajudou a criar nos vinhedos de Candiota, na Campanha gaúcha. Vale a pena ler:
“Um bem-haja a todos.                                                                                                   
Falar sobre vinho é falar sobre a história da civilização. Evidências arqueológicas apontam a data de 7.000 AC e o Médio Oriente como o berço desta cultura: a vinha transformada em vinho. Nos dias atuais, o vinho é um hábito mais ocidental do que oriental. Por isso, hoje escrevo sobre um rótulo brasileiro histórico. A mais antiga chancela de vinhos do Brasil ainda existente na forma líquida: o Quinta do Seival.
Edifiquei uma breve linha do tempo do vinho brasileiro:
1500 – Descobrimento do Brasil.
1532 – Martim Afonso de Souza faz a primeira tentativa de plantar Vitis vinifera no Brasil.
1551 – Brás Cubas elabora o primeiro vinho fino brasileiro.
1626 – Roque Gonzaléz, jesuíta espanhol, introduz a Vitis vinifera no Rio Grande do Sul, a Tempranillo.
1789 – A corte portuguesa proíbe o cultivo de Vitis vinifera no Brasil para proteger a produção de vinho português.
1808 – Transferência da corte portuguesa para o Brasil.
1822 – Independência do Brasil.
1875 – Chegada dos primeiros imigrantes italianos à Serra Gaúcha, trazendo na bagagem a tradição do cultivo, da elaboração e a cultura do consumo do vinho, conferindo importância econômica à atividade.
1886 – João Marimon, espanhol da Catalunha, inicia os plantios de videiras na Quinta do Seival, região da Campanha Gaúcha.
1897 – Chegada de Giuseppe Miolo ao Brasil.
1889 – Proclamação da República do Brasil.
1912 – Celeste Gobbato, agrônomo italiano, impulsiona o plantio de Vitis vinifera no Brasil, catequizando os agricultores quanto à importância destas para a produção de vinhos de qualidade.
1920 - João Marimon tinha 28 hectares de vinha em produção, na época considerada a maior vinha particular do Brasil.
1937 – Lançamento dos primeiros vinhos finos brasileiros mono-varietais engarrafados: Granja União.
1977 – A empresa norte-americana Almadén inicia o plantio de 550 hectares de Vitis vinifera nas terras arenosas de Palomas, município de Santana do Livramento/RS.
1989 – Fundação da Vinícola Miolo.
Convergindo para a história da Quinta do Seival, no final do século XIX, por questões políticas, a família Marimon deixa Barcelona imigrando para o Uruguai, mas termina esta travessia no Brasil. João Marimon trabalhou no canteiro de obras da estrada de ferro que cruzou em Jaguarão a fronteira Uruguai/Brasil. Quando a obra chegou ao pequeno povoado de Santa Rosa, hoje Seival, localidade pertencente ao município gaúcho de Candiota, João Marimon se apaixonou e passou a viver por ali. Nos genes do catalão estava a prática agrícola e a primeira bebida fermentada elaborada com o nome Quinta do Seival que tinha como matéria prima uma fruta nativa do bioma Pampa.
Em 1888, foi construída a primeira adega da Quinta do Seival, suas paredes eram de barro e o telhado de palha de santa fé. A grande adega foi erguida por volta de 1910.
Em 1920, a empresa João Marimon & Filhos tinha 28 hectares de vinhedo em produção, com mais de 70 mil pés de videiras, considerado o maior vinhedo particular do Brasil. Faziam parte do encepamento castas francesas (Alicante Bouschet e Grand Noir de la Calmette) e castas híbridas franco-americanas (Isabel, Herbemont, Oberlin, Seibel 1, Seibel 2, Jacquez, entre outras). O fato da maioria das castas serem híbridas era justificado pela proximidade dos enormes prejuízos causados pela filoxera nos vinhedos mundiais no início da década de 1860. João Marimon, depois de radicado no Brasil, retornou quatro vezes à Europa, em busca de conhecimento técnico e mudas para plantio. Em 1966, a sociedade João Marimon & Filhos – que eram onze – dissolveu-se.
Outro edificante e histórico fato ocorrido nos campos da Quinta do Seival foi o brado de independência, em 11 de Setembro de 1836, para proclamação da República Rio-Grandense. O marco aconteceu após a vitória da Batalha do Seival pelas tropas do general farroupilha Antônio de Souza Netto contra as tropas do general imperialista João da Silva Tavares.
No ano de 2000, a família Miolo comprou as terras da Quinta do Seival e resgatou todo o passado pouco conhecido da vitivinicultura nacional. No ano de 2001, iniciou a instalação dos atuais 200 hectares de vinha. A marca Quinta do Seival foi utilizada pelo Grupo Miolo para corporizar a sua linha de vinhos de alta gama. O primeiro vinho elaborado foi o Quinta do Seival Castas Portuguesas 2003, originalmente acrescido com um terço de Alfrocheiro Preto.
O grande diferencial da Quinta do Seival é o seu vinhedo instalado na já secular região da Campanha Gaúcha:
•             25 castas diferentes, mas apenas 15 com área produtiva significativa (porque, convenhamos, produzir 100 garrafas de um vinho é fácil);
•             65% do encepamento com tintas e 35% com brancas, 80% castas francesas e 20% castas portuguesas;
•             seleção clonal nas castas francesas e seleção massal nas castas portuguesas;
•             primeira fase do plantio em 2001: densidade de 2.800 plantas/ha; segunda fase do plantio em 2007: densidade de 4.600 plantas/ha, ou seja, com o aumento da densidade do plantio em mais de 60%, aumentou-se a área de folhas expostas ao sol; portanto, mais plantas por hectare, maior produção por área, diminuindo o rendimento por planta com uma maior eficiência energética e vinhos mais concentrados;
•             os solos, a placenta/base nutricional do futuro vinho, são predominantemente do tipo argissolo vermelho-amarelo e o argissolo vermelho, com enorme predominância de arenito, mas também quartzo e algum granito; são solos profundos, bem drenados com percentuais de areia até 35%, ligeiramente ácidos, pobres com 1 a 2% matéria orgânica. 
Hoje, com as uvas da Quinta do Seival, a Miolo elabora 18 vinhos diferentes, um terço dos vinhos que a vinícola elabora em todo o Brasil. O Seival é o projeto de vinhos brasileiros que dispõe, há alguns anos, da maior faixa de exportação em dinheiro e em volume, sendo o Reino Unido o seu principal país importador.
Resumindo, atesto que saboreei bastante estas “escavações arqueológicas”, constatando que João Marimon, tal como Giuseppe Miolo, ambos estrangeiros, valorizaram de maneira humilde e simples a cultura do vinho. E que, mesmo desconhecidos um do outro, construíram uma parte da história vitivinícola brasileira.
No vinho, sempre temos engarrafados uma paisagem e um Homem. Minha equipe e eu também amamos e fazemos intensamente esta Quinta!
Antes de me despedir, gostaria de convidá-lo para experimentar os vinhos do projeto Seival e apreciar um pouco da vida que despejamos na elaboração de cada garrafa.
•             Para conhecer os vinhos premium que levam a marca Quinta do Seival, clique aqui.
•             Procure conhecer todos os rótulos elaborados no projeto Seival, no site da Miolo.”

Um abraço e até breve,
Miguel Ângelo Vicente Almeida
Enólogo | Winemaker
Miolo Wine Group

Muito bom o texto do Miguel, especialmente no aspecto histórico. Acho que meu amigo enófilo Olyr Correa, leitor deste Blog, também vai gostar. Afinal, ele tinha (ou tem) um projeto de escrever sobre a história do vinho no Rio Grande do Sul e foi um dos primeiros a me falar, mas profundamente, sobre a família Marimon. Depois, é claro, das conversas que tive com Ary Faria Marimon, presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, em 1985.


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