Está bombando nas redes sociais
– e entre os produtores de vinhos do Rio Grande do Sul – a pergunta se o
Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) usou ou não dinheiro público e dos
produtores para pagar o clipe Rico, Riso, Rico, considerado ridículo e de mau
gosto, elaborado pelo Grupo RBS e que usa o espumante gaúcho em cenas
deploráveis. O primeiro comentário mais consistente foi feito pelo enólogo
Julio Cesar Kunz, filho do grande Eloy Kunz, já falecido, incentivador do bom
vinho e do turismo em Flores da Cunha. Julio escreveu no Blog do Orestes de
Andrade Junior o texto “Rico, ri disso, ridículo”. Publicado em 09/02-15:
“Uma análise sobre o vídeo
desastrado “Rico, rico, rico”, (mal, muito mal) produzido pelo pessoal do
Pretinho Básico (Rede Atlântida/ RBS) e patrocinado com dinheiro público,
através do Ibravin.”
“Anúncios bem humorados –
escreveu Julio Kunz - têm grande
simpatia de quase todo mundo. Usar do humor para transmitir uma mensagem é
muito mais efetivo que uma argumentação séria e bem embasada. O humor tem uma
chave que abre a porta dos nossos corações, por isso é tão eficaz. Mas além do
formato humorístico, para chegar ao fundo de nossos sentimentos, a mensagem tem
que ter algo de que compartilhamos. Ou seja, temos que concordar com a mensagem
antes de recebê-la. Parece contraditório, mas não é. Vejamos alguns exemplos.
Nas eleições de 2010, o Tiririca
foi o deputado mais votado do Brasil – e seria em qualquer estado em que se
candidatasse. O humorista nordestino usou a sua fama para ter um mínimo de
abertura e o que sabe fazer (de forma muito pobre), o humor, para abrir as
portas dos corações dos eleitores. Tenho que admitir que o número fácil, 2222,
também ajudou. A alma da campanha, entretanto, estava na mensagem: “pior que tá
não fica”. Ora, grande parte da população compartilha do sentimento de que a
política não pode ser salva, logo, antes da mensagem, já concordávamos: pior
que estava não poderia ficar. O deputado do Partido da República só se
apropriou dela.
É fácil perceber como qualquer
mensagem pode ser bem aceita, se já concordarmos com ela antecipadamente e nos
for apresentada de forma simpática. Até um palhaço pode ser eleito. Posso dar
exemplos menos estapafúrdios, como a campanha da década de 2000 da Brahma
“refresca até pensamento”. Numa das peças um casal de siris rouba alguns goles
de cerveja e fogem para o mar, antes do mergulho, um bundalelê e uma
reboladinha do siri malandro. Na série mais celebre da campanha, uma tartaruga
fica mais ágil e esperta após refrescar o seu pensamento com Brahma. Qual é a
mensagem com que todo mundo concorda? Bebe-se cerveja para se refrescar, para
relaxar e ficar mais bem humorado.
Enfim, é mais ou menos assim
que se usa humor. Eu já tentei fazer isso quando eu não era um outsider no
mundo do vinho. No lançamento da linha de espumantes da Dunamis, a principal
atração era um stand up com o humorista Fábio Rabin. A mensagem que queríamos
dar era: espumantes são divertidos e podem ser bebidos com descontração.
Claramente, não é uma mensagem previamente aceita. O caminho que escolhemos foi
usar uma mensagem bem aceita: enófilos podem ser chatos, vamos rir deles e
beber espumante sem ser chato. Dentro das limitações orçamentárias que
tínhamos, funcionou – quem conhece a marca, até hoje, faz a associação com
verão e descomplicação.
Mas usar do humor não é
simples, é muito difícil, na verdade. Quem nunca passou vergonha tentando
contar uma piada e no final ninguém riu? Por isso, fomos bastante tímidos
naquela época e por isso seguimos por outros caminhos depois daquela curta
campanha. Acontece que o humor trabalha com significados ocultos, com
contradições, com caricaturas e exageros. De tal sorte que para uma mensagem
funcionar através do humor tem de ser muito precisa e curta – pode ser um
número ou um slogan simples. Para redes de significação mais complexas o humor
pode não funcionar tanto, fazendo os significados correrem para as bordas dos
exageros.
Os franceses, que são chamados
de sapos pelos ingleses), fizeram um vinho com o rótulo cuja mensagem é “ok,
podem nos chamar de sapos, mas vocês sabem que nós temos bons vinhos”
Será que é por isso que os
exemplos de campanhas de vinhos com humor são raras? Na verdade, não são tão
raras assim, ocorre que são usadas apenas em produtos populares, em outras
palavras, baratos. Há alguns franceses, como o Arrogant Frog (sapo arrogante,
sendo que os franceses são chamados de sapos pelos ingleses), cuja mensagem aos
anglo-saxões é “ok, podem nos chamar de sapos, mas vocês sabem que nós temos
bons vinhos”; o glorioso Vin de Merde (sim, é isso mesmo, não é um falso
cognato), cuja mensagem é, sim o vinho é ruim, mas é divertido e barato. Há o
renomadíssimo Yellow Tail (rabo amarelo), cuja mensagem é: somos australianos,
portanto, legais.
Raro mesmo é encontrar
campanhas de vinhos ou de espumantes com diferencial de qualidade e valor
agregado usando do humor. Suponho que seja pela dificuldade de levar a cabo
tais ações. Na falta de referências, algo um pouco mais ousado e que passa
pelos filtros puritanos de gente provinciana, são os cases de ostentação. Sei
que isso pode gerar desconforto para as mentes mais tradicionais, mas tenho que
dizer que é algo que pode funcionar. Tanto pode que funcionou e o caso de maior
sucesso está mais próximo ao vinho do que se possa imaginar: o ressurgimento do
Cognac no mercado estadunidense.
A imagem clássica de consumo de
Cognac é a de um velho aristocrata sentado na sua poltrona confortável na sala de sua mansão em frente à lareira
fumando o seu charuto cubano. Como já faz algumas décadas que não está na moda
ser velho, as vendas de Cognac caíram dramaticamente no mundo. Para sorte dos
franceses, os rappers Busta Rhymes e P. Diddy’s, por sua própria conta,
emplacaram o hit “Pass the Courvoisier” (Passa o Couvoisier, marca de Cognac),
em 2001. Por lá, o movimento de ostentação vai na trilha do rap. As músicas
citando marcas de Cognac se multiplicaram e até o ponto em que o destilado
francês deixou de ser associado a esnobes europeus para se transformar na
bebida símbolo dos afro-americanos que se deram bem na vida.
Aqui no Brasil, o movimento de
ostentação, como sabemos, está mais ligado ao funk. Mas a mensagem, aquela
mensagem com que já concordamos antes de receber, é a mesma: “fui pobre e
discriminado, mas agora tenho acesso a marcas de qualidade, olha pra mim”. Em
Terra Brasilis, as citações de marcas de bebidas de qualidade são lideradas
pela Chandon. Não sei o quanto isso impactou nas suas vendas e na sua imagem,
mas se o fenômeno for parecido com o norte americano, pode haver uma explosão
de consumo pela multiplicação de consumidores, liderada pela entrada de camadas
econômicas com as quais a marca francesa nunca teve diálogo algum.
Finalmente, chegando ao assunto
de que eu realmente quero tratar: o vídeo desastrado “Rico, rico, rico”, (mal,
muito mal) produzido pelo pessoal do Pretinho Básico (Rede Atlântida/ RBS) e
patrocinado com dinheiro público, através do Ibravin. No vídeo, vê-se gente não
tão feia, nem tão bonita, em quatro situações: meninas e meninos numa piscina,
dois garotos assistindo a um jogo de futebol, três rapazes fazendo um churrasco
e dois nerds jogando vídeo game. Todos bebendo espumante e divertindo-se.
Então, aparece o Alcemar – uma personagem construída com muito preconceito,
cuja profissão é pedreiro – cantando “Rico, rico, rico”, uma paródia tosca de
Wiggle do Jason Deluro. E é aí, e só aí, que começa o grande problema.
Não quero dizer que o resto
seja bom. A estética de filme pornô de quinta categoria transmite nada de
positivo. (Para de te perguntar como eu conheço a estética de filmes
pornográficos de quinta categoria, não estamos falando disso, aqui.) As
garrafas de espumantes com seus rótulos disfarçados lembram cidras da pior
qualidade (essas, sim, usadas em pornôs de quinta categoria). Deixemos a forma
de lado, o conteúdo é, de longe, a pior parte.
Para entender por que os
anúncios com humor citados no início do texto e o rap da ostentação funcionam
para promover marcas e, também, por que
o vídeo para tentar fazer o mesmo com o espumante brasileiro é uma catástrofe,
precisamos teorizar um pouco sobre o humor. De todas as teorias possíveis, vou voltar
à Grécia Clássica e revisitar a Teoria da Superioridade. Para Aristóteles, em
seu livro Da Arte Poética, rimos do que consideramos feio ou ridículo, graças a
um sentimento de superioridade que brota da observação da desgraça alheia. E
isso é suficiente para explicar todos os exemplos que eu trouxe.
O Tiririca, ao rir de si mesmo,
ridicularizou todos os políticos. Na campanha da Brahma, achávamos graça das
personagens sérias demais que encaravam a vitalidade dos animais humanizados.
No caso dos espumantes da Dunamis, fazíamos piada com os enochatos. Os vinhos
franceses Arrogant Frog e Vin de Merde riem da seriedade dos próprios
franceses. Os australianos mostraram com bom humor a sua descontração. Os raps
com marcas de Cognacs, à sua maneira, ridicularizam os esnobes franceses ao
profanar um de seus símbolos. Onde está graça disso tudo? O público-alvo
sente-se superior por ter o estilo de vida que tem e aproxima-se das marcas em
questão.
Agora, fica mais fácil de se
entender qual é o problema do tal vídeo tosco. Se o público-alvo são as pessoas
comuns, de classe média e brancas que aparecem no início do vídeo, quando
começa a haver uma identificação, aparece o Alcemar com a seguinte mensagem:
vocês são uns babacas, pensam que são mais do que são por beberem espumantes
brasileiros, que são “ricos, ricos, ricos”, mas são os mesmos medíocres de
sempre. Ou seja, o próprio público-alvo é ridicularizado. Se a ideia é pegar o
público que curte funk da ostentação, ainda pior, pois a própria paródia que
serve de trilha sonora ridiculariza essa turma de maneira preconceituosa e
estúpida. Portanto, a mensagem que fica é: quem bebe espumante brasileiro é
ridículo, ridículo, ridículo.
Para além da teoria, a
repercussão foi péssima. A crítica criticou – eis-me aqui, fazendo o mesmo. Os
comerciantes de vinhos, talvez um dos maiores gargalos que os vinhos
brasileiros enfrentam, odiaram. Os consumidores tradicionais acharam péssimo.
Para entender os consumidores não habituais é mais difícil, mas temos pistas.
Na linha do tempo da página dos Vinhos do Brasil no Facebook, vi apenas alguns
comentários e compartilhamentos com mensagens relativamente positivas. Numa
pesquisa que fiz na minha, as poucas manifestações foram duras. Acho que nós,
críticos, temos um pouco de razão.
Encerro com o bordão do Pedro
Fortes, personagem de Chico Anysio, antes de começar a chorar:
Alegria, alegria. Faça como eu,
sorria. T-chau!”
Concordo com o Julio e com os
demais que estão criticando o video. É de uma ridicularia total, idéia tosca e
mal executada. A jornalista Edith Auler, divulgadora de vinhos, achou tão ruim
que não acredita que o Ibravin tenha gasto dinheiro público pagando tal
trabalho. Esta é a pergunta que ouvi, também, de vários produtores. Não sei se
pagou, cabe ao Ibravin responder, mas, há alguns anos, tenho uma idéia formada
sobre as campanhas publicitárias do instituto visando divulgar o vinho: todas
são muito ruins, nem parece terem sido feitas por uma grande agência de
publicidade.
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