sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Video ridículo e de mau gosto sobre o vinho



                                Julio Cesar Kunz, enólogo
                                Arquivo JN
Está bombando nas redes sociais – e entre os produtores de vinhos do Rio Grande do Sul – a pergunta se o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) usou ou não dinheiro público e dos produtores para pagar o clipe Rico, Riso, Rico, considerado ridículo e de mau gosto, elaborado pelo Grupo RBS e que usa o espumante gaúcho em cenas deploráveis. O primeiro comentário mais consistente foi feito pelo enólogo Julio Cesar Kunz, filho do grande Eloy Kunz, já falecido, incentivador do bom vinho e do turismo em Flores da Cunha. Julio escreveu no Blog do Orestes de Andrade Junior o texto “Rico, ri disso, ridículo”. Publicado em 09/02-15:
“Uma análise sobre o vídeo desastrado “Rico, rico, rico”, (mal, muito mal) produzido pelo pessoal do Pretinho Básico (Rede Atlântida/ RBS) e patrocinado com dinheiro público, através do Ibravin.”
“Anúncios bem humorados – escreveu Julio Kunz -  têm grande simpatia de quase todo mundo. Usar do humor para transmitir uma mensagem é muito mais efetivo que uma argumentação séria e bem embasada. O humor tem uma chave que abre a porta dos nossos corações, por isso é tão eficaz. Mas além do formato humorístico, para chegar ao fundo de nossos sentimentos, a mensagem tem que ter algo de que compartilhamos. Ou seja, temos que concordar com a mensagem antes de recebê-la. Parece contraditório, mas não é. Vejamos alguns exemplos.
Nas eleições de 2010, o Tiririca foi o deputado mais votado do Brasil – e seria em qualquer estado em que se candidatasse. O humorista nordestino usou a sua fama para ter um mínimo de abertura e o que sabe fazer (de forma muito pobre), o humor, para abrir as portas dos corações dos eleitores. Tenho que admitir que o número fácil, 2222, também ajudou. A alma da campanha, entretanto, estava na mensagem: “pior que tá não fica”. Ora, grande parte da população compartilha do sentimento de que a política não pode ser salva, logo, antes da mensagem, já concordávamos: pior que estava não poderia ficar. O deputado do Partido da República só se apropriou dela.
É fácil perceber como qualquer mensagem pode ser bem aceita, se já concordarmos com ela antecipadamente e nos for apresentada de forma simpática. Até um palhaço pode ser eleito. Posso dar exemplos menos estapafúrdios, como a campanha da década de 2000 da Brahma “refresca até pensamento”. Numa das peças um casal de siris rouba alguns goles de cerveja e fogem para o mar, antes do mergulho, um bundalelê e uma reboladinha do siri malandro. Na série mais celebre da campanha, uma tartaruga fica mais ágil e esperta após refrescar o seu pensamento com Brahma. Qual é a mensagem com que todo mundo concorda? Bebe-se cerveja para se refrescar, para relaxar e ficar mais bem humorado.
Enfim, é mais ou menos assim que se usa humor. Eu já tentei fazer isso quando eu não era um outsider no mundo do vinho. No lançamento da linha de espumantes da Dunamis, a principal atração era um stand up com o humorista Fábio Rabin. A mensagem que queríamos dar era: espumantes são divertidos e podem ser bebidos com descontração. Claramente, não é uma mensagem previamente aceita. O caminho que escolhemos foi usar uma mensagem bem aceita: enófilos podem ser chatos, vamos rir deles e beber espumante sem ser chato. Dentro das limitações orçamentárias que tínhamos, funcionou – quem conhece a marca, até hoje, faz a associação com verão e descomplicação.
Mas usar do humor não é simples, é muito difícil, na verdade. Quem nunca passou vergonha tentando contar uma piada e no final ninguém riu? Por isso, fomos bastante tímidos naquela época e por isso seguimos por outros caminhos depois daquela curta campanha. Acontece que o humor trabalha com significados ocultos, com contradições, com caricaturas e exageros. De tal sorte que para uma mensagem funcionar através do humor tem de ser muito precisa e curta – pode ser um número ou um slogan simples. Para redes de significação mais complexas o humor pode não funcionar tanto, fazendo os significados correrem para as bordas dos exageros.
Os franceses, que são chamados de sapos pelos ingleses), fizeram um vinho com o rótulo cuja mensagem é “ok, podem nos chamar de sapos, mas vocês sabem que nós temos bons vinhos”
Será que é por isso que os exemplos de campanhas de vinhos com humor são raras? Na verdade, não são tão raras assim, ocorre que são usadas apenas em produtos populares, em outras palavras, baratos. Há alguns franceses, como o Arrogant Frog (sapo arrogante, sendo que os franceses são chamados de sapos pelos ingleses), cuja mensagem aos anglo-saxões é “ok, podem nos chamar de sapos, mas vocês sabem que nós temos bons vinhos”; o glorioso Vin de Merde (sim, é isso mesmo, não é um falso cognato), cuja mensagem é, sim o vinho é ruim, mas é divertido e barato. Há o renomadíssimo Yellow Tail (rabo amarelo), cuja mensagem é: somos australianos, portanto, legais.
Raro mesmo é encontrar campanhas de vinhos ou de espumantes com diferencial de qualidade e valor agregado usando do humor. Suponho que seja pela dificuldade de levar a cabo tais ações. Na falta de referências, algo um pouco mais ousado e que passa pelos filtros puritanos de gente provinciana, são os cases de ostentação. Sei que isso pode gerar desconforto para as mentes mais tradicionais, mas tenho que dizer que é algo que pode funcionar. Tanto pode que funcionou e o caso de maior sucesso está mais próximo ao vinho do que se possa imaginar: o ressurgimento do Cognac no mercado estadunidense.
A imagem clássica de consumo de Cognac é a de um velho aristocrata sentado na sua poltrona confortável  na sala de sua mansão em frente à lareira fumando o seu charuto cubano. Como já faz algumas décadas que não está na moda ser velho, as vendas de Cognac caíram dramaticamente no mundo. Para sorte dos franceses, os rappers Busta Rhymes e P. Diddy’s, por sua própria conta, emplacaram o hit “Pass the Courvoisier” (Passa o Couvoisier, marca de Cognac), em 2001. Por lá, o movimento de ostentação vai na trilha do rap. As músicas citando marcas de Cognac se multiplicaram e até o ponto em que o destilado francês deixou de ser associado a esnobes europeus para se transformar na bebida símbolo dos afro-americanos que se deram bem na vida.
Aqui no Brasil, o movimento de ostentação, como sabemos, está mais ligado ao funk. Mas a mensagem, aquela mensagem com que já concordamos antes de receber, é a mesma: “fui pobre e discriminado, mas agora tenho acesso a marcas de qualidade, olha pra mim”. Em Terra Brasilis, as citações de marcas de bebidas de qualidade são lideradas pela Chandon. Não sei o quanto isso impactou nas suas vendas e na sua imagem, mas se o fenômeno for parecido com o norte americano, pode haver uma explosão de consumo pela multiplicação de consumidores, liderada pela entrada de camadas econômicas com as quais a marca francesa nunca teve diálogo algum.
Finalmente, chegando ao assunto de que eu realmente quero tratar: o vídeo desastrado “Rico, rico, rico”, (mal, muito mal) produzido pelo pessoal do Pretinho Básico (Rede Atlântida/ RBS) e patrocinado com dinheiro público, através do Ibravin. No vídeo, vê-se gente não tão feia, nem tão bonita, em quatro situações: meninas e meninos numa piscina, dois garotos assistindo a um jogo de futebol, três rapazes fazendo um churrasco e dois nerds jogando vídeo game. Todos bebendo espumante e divertindo-se. Então, aparece o Alcemar – uma personagem construída com muito preconceito, cuja profissão é pedreiro – cantando “Rico, rico, rico”, uma paródia tosca de Wiggle do Jason Deluro. E é aí, e só aí, que começa o grande problema. 
Não quero dizer que o resto seja bom. A estética de filme pornô de quinta categoria transmite nada de positivo. (Para de te perguntar como eu conheço a estética de filmes pornográficos de quinta categoria, não estamos falando disso, aqui.) As garrafas de espumantes com seus rótulos disfarçados lembram cidras da pior qualidade (essas, sim, usadas em pornôs de quinta categoria). Deixemos a forma de lado, o conteúdo é, de longe, a pior parte.
Para entender por que os anúncios com humor citados no início do texto e o rap da ostentação funcionam para promover marcas e, também,  por que o vídeo para tentar fazer o mesmo com o espumante brasileiro é uma catástrofe, precisamos teorizar um pouco sobre o humor. De todas as teorias possíveis, vou voltar à Grécia Clássica e revisitar a Teoria da Superioridade. Para Aristóteles, em seu livro Da Arte Poética, rimos do que consideramos feio ou ridículo, graças a um sentimento de superioridade que brota da observação da desgraça alheia. E isso é suficiente para explicar todos os exemplos que eu trouxe.
O Tiririca, ao rir de si mesmo, ridicularizou todos os políticos. Na campanha da Brahma, achávamos graça das personagens sérias demais que encaravam a vitalidade dos animais humanizados. No caso dos espumantes da Dunamis, fazíamos piada com os enochatos. Os vinhos franceses Arrogant Frog e Vin de Merde riem da seriedade dos próprios franceses. Os australianos mostraram com bom humor a sua descontração. Os raps com marcas de Cognacs, à sua maneira, ridicularizam os esnobes franceses ao profanar um de seus símbolos. Onde está graça disso tudo? O público-alvo sente-se superior por ter o estilo de vida que tem e aproxima-se das marcas em questão.
Agora, fica mais fácil de se entender qual é o problema do tal vídeo tosco. Se o público-alvo são as pessoas comuns, de classe média e brancas que aparecem no início do vídeo, quando começa a haver uma identificação, aparece o Alcemar com a seguinte mensagem: vocês são uns babacas, pensam que são mais do que são por beberem espumantes brasileiros, que são “ricos, ricos, ricos”, mas são os mesmos medíocres de sempre. Ou seja, o próprio público-alvo é ridicularizado. Se a ideia é pegar o público que curte funk da ostentação, ainda pior, pois a própria paródia que serve de trilha sonora ridiculariza essa turma de maneira preconceituosa e estúpida. Portanto, a mensagem que fica é: quem bebe espumante brasileiro é ridículo, ridículo, ridículo.
Para além da teoria, a repercussão foi péssima. A crítica criticou – eis-me aqui, fazendo o mesmo. Os comerciantes de vinhos, talvez um dos maiores gargalos que os vinhos brasileiros enfrentam, odiaram. Os consumidores tradicionais acharam péssimo. Para entender os consumidores não habituais é mais difícil, mas temos pistas. Na linha do tempo da página dos Vinhos do Brasil no Facebook, vi apenas alguns comentários e compartilhamentos com mensagens relativamente positivas. Numa pesquisa que fiz na minha, as poucas manifestações foram duras. Acho que nós, críticos, temos um pouco de razão.
Encerro com o bordão do Pedro Fortes, personagem de Chico Anysio, antes de começar a chorar:
Alegria, alegria. Faça como eu, sorria. T-chau!”

Concordo com o Julio e com os demais que estão criticando o video. É de uma ridicularia total, idéia tosca e mal executada. A jornalista Edith Auler, divulgadora de vinhos, achou tão ruim que não acredita que o Ibravin tenha gasto dinheiro público pagando tal trabalho. Esta é a pergunta que ouvi, também, de vários produtores. Não sei se pagou, cabe ao Ibravin responder, mas, há alguns anos, tenho uma idéia formada sobre as campanhas publicitárias do instituto visando divulgar o vinho: todas são muito ruins, nem parece terem sido feitas por uma grande agência de publicidade.

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